O senhor do manguezal e a pobreza salobra, confira no relato poético de Palmarí de Lucena
Em sua mais recente crônica, “O Senhor do Manguezal”, o escritor Palmarí de Lucena relata sua recente viagem ao Morro de São Paulo, na Bahia, e retrata “seres humanos entrapados na pobreza salobra dos seus cotidianos”, os habitantes do manguezal, com toda a sua crueza. A narrativa, simplesmente imperdível, surpreende pela singeleza e poesia da forma como o escritor vislumbrou um mundo tão à parte da civilização.
CONFIRA A ÍNTEGRA DA CRÔNICA…
“Dirigida por um jovem condutor, uma pequena charrete puxada por um cavalo de aparência subnutrida nos transportou até o manguezal da Quinta Praia do Morro de São Paulo, na Bahia. Trocamos poucas palavras, o guia se mostrava pouco informado ou minimamente interessado em satisfazer nossa curiosidade. Respondia com frases curtas sempre concluídas com a palavra “campeão”, ponto final. Após uma hora de sacolejos, paradas súbitas e desvios chegamos ao nosso destino, uma palhoça construída em uma área ocupada por um homem de aparência desordenada, gestos ameaçadores e demandas de pagamento pelas fotos que tirávamos. Bem-vindo ao manguezal…
Ziguezagueamos em silêncio por áreas cobertas de vegetação adaptada às variações de sal na água e no solo. Raízes aéreas de pneumatóforos criando um museu ao ar livre de esculturas bizarras, formas vegetais entrelaçadas em terrenos alagados abrigando uma riquíssima variedade de espécies de caranguejos, moluscos, como a lambreta e a ostra e peixes. Sons, cantos e duetos de pássaros se misturavam com a monotonia persistente do chuá-chuá das águas e a beleza exuberante do azul do mar tocando o azul do céu. Encontros com pescadores artesanais, o manguezal os expondo claramente a precariedade e riscos inerentes de uma ocupação de subsistência. Seres humanos entrapados na pobreza salobra dos seus cotidianos.
Chegamos a uma parte isolada do manguezal conhecida como a “Chapada do Elias”, domínio de um pescador de indumentária e estilo de vida lembrando os hippies dos anos de 1960. Casa de palafita cercada de bricabraque e resquícios de bens de consumo, domínio do Senhor do Manguezal. Parada obrigatória de mochileiros, ecoturistas e curiosos, legitimando assim o mercantilismo excêntrico do pescador através de avaliações cinco estrelas no TripAdvisor.com. Encontramos o lugar deserto, o homem estava pescando no mar de peixes menores e mais escassos. Netuno, Sol, Lua e Sereno, seus filhos, teriam que esperar por dias melhores muito além do manguezal …”
Manguezais – Os manguezais são encontrados em 123 países, cobrindo uma área de 152.360 km2. Mais de dois terços dos manguezais do mundo são encontrados em apenas 12 países, com a Indonésia sozinha respondendo por mais de 20% da cobertura total de manguezal do mundo. O segundo país em extensão de mangues é o Brasil. São cerca de 20 mil Km2 desta vegetação, que se estende desde o Amapá, até a baía da Babitonga, no Norte de Santa Catarina.