O mundo mágico de Zé Crisólogo, por Palmarí de Lucena
O Brasil e, em especial, Estados como a Paraíba, não costumam valorizar seus próprios valores. O caso, por exemplo, do artista Zé Crisólogo, de Picuí, cujo trabalho é lamentavelmente pouco conhecido, apesar da genialidade de sua obra. Esse é o tema da nova crônica de Palmarí de Lucena, comentando precisamente a situação de quase esquecimento em que Crisólogo se encontra. Confira a íntegra do comentário “O mágico mundo de Zé Crisólogo”:
Observando o mundo exterior embaçado por gotas d’água, o jovem músico fotografou mentalmente o cenário minimalista, sem maiores possibilidades de fantasias diurnas ou surtos de criatividade. Longe, bem longe, os acordes de uma canção contemporânea, estrangeira e sedutora, descobriria naquele momento a trilha sonora de sua vida. Despertando sentimentos de paixão, que o levaria mundo afora a procura da beleza em animais, homens franzinos e carnavais. Palavras da canção I want to hold your hand incompreensíveis na ocasião, retornaram seus pensamentos para a sonoridade do ABC do Sertão de Luiz Gonzaga, parte de sua alfabetização musical.
Vivendo inconfortavelmente no quartinho de uma vila no centro da cidade, separado precariamente do forno de uma padaria por uma parede irradiando o calor ou o barulho da panificação noturna. O quarto servia para secar a roupa de outros residentes da comunidade, tão calorento era. Seu cotidiano oferecia pouco conforto ou privilégios, só a música oferecia tréguas periódicas, momentos de felicidade.
Encostado no muro externo de um clube social, se maravilhava com os sons do grupo Quatro Loucos, partituras musicais extraídas de discos dos Beatles. Começou a entender as letras, canções que aparentavam formar um álbum de fotografias dos seus dias difíceis. Trabalhando como um cachorro, sonâmbulo em noites de dias difíceis, sem sequer encontrar alguém para abraçar ou pelo menos ter forças de gritar bem alto, tudo está bem! O único refúgio era a música, de Luiz Gonzaga aos Beatles.
Com a música vieram outras recordações da uma infância vivida entre pastos, gados tangidos por homens magros, peles curtidas impiedosamente pelos caprichos de uma natureza incerta. Atravessando a ponte criada pela música dos Beatles e as cenas campestres de sua adolescência, o músico transformou-se em criador de um estatuário de bovinos, equinos e figuras populares. Encontrou nos animais, no sal da terra, a paz imaginada por John Lennon de Liverpool, a paz de Zé Crisólogo de Picuí.