O escritor e historiador Rui Leitão faz uma curiosa observação sobre o período, rigorosamente 29 anos, que separou a eleição de Jânio Quadros, Fernando Collor de Mello e Jair Bolsonaro. E pontua sobre algumas das muitas semelhanças entre eles: “Os três trazem a falta de bom senso como característica de personalidade”. Confira a íntegra de seu texto:
A cada vinte e nove anos o Brasil brinca com o título de eleitor. Em 1960 elegeu Jânio Quadros. Em 1989, Collor de Melo. E em 2018, Jair Bolsonaro. Os dois primeiros não concluíram o mandato. O de agora parece que vai no mesmo caminho. Os três trazem a falta de bom senso como característica de personalidade. Têm muitas semelhanças, embora o último se diferencie dos outros na questão da cultura. Jânio e Collor tinham um nível intelectual acima do atual presidente.
Todos se apresentavam como “salvadores da pátria”. E a maioria dos eleitores acreditou neles. Os três desafiaram o sistema e foram eleitos por pequenos partidos. Jânio, com a vassoura na mão, dizia que ia varrer a bandalheira no Brasil. Collor se afirmava o caçador de marajás. E Bolsonaro fez o discurso da moralização e do combate à corrupção. O personalismo, o destempero verbal e posturas atrabiliárias são indiscutíveis parecenças entre eles.
Interessante que, tanto Jânio, quanto Collor, foram derrotados pelo próprio discurso, porque ao assumirem não cumpriram com o prometido, não se mostraram “os diferentes”, como proclamavam suas propagandas de campanha. Bolsonaro vai na mesma linha de atuação. A limpeza sócio-política era o mote das três campanhas. Todos impulsionados, em parte, pela classe média e a mídia conservadora.
A similitude que se verifica é que os três não conseguiram estabelecer uma boa relação com o congresso, precarizando, portanto, o apoio partidário. Se bem que o atual já anda buscando amparo do “centrão”, coisa que ele apontava como característica da “velha política”. Protagonizaram a postura autocrática no exercício do governo. Pode ser apenas mera coincidência, mas a trajetória política de Bolsonaro lembra muito as de Jânio e Collor. Outsiders da elite política de cada época.
A história, ao que parece, está correndo o risco de se repetir. Como nos governos de Jânio e Collor, a frustração e a descrença começam a dominar o sentimento dos brasileiros. Os pretensos “heróis da pátria”, mostram-se, na verdade, aventureiros eleitos como redentores da ética e da limpeza política. Os três, mesmo enfrentando fortes crises institucionais, são iguais na crença do apoio incondicional do povo. Jânio e Collor já experimentaram as consequências desse engano.
O problema é que, muitas vezes, desdenhamos das responsabilidades históricas de nossas escolhas. Aguardemos os acontecimentos, mas que Jânio, Collor e Bolsonaro têm muitas semelhanças, isso ninguém pode negar.