DINHEIRO ERA PRA SALVAR VIDAS Empresária revela que intermediários embolsaram R$ 12 milhões na compra dos respiradores feita por Consórcio
A cada momento mais informações sinalizam indícios da ocorrência de um escândalo criminoso no caso da compra dos respiradores pela Consórcio Nordeste. Agora, por exemplo, vem a informação de que intermediários embolsaram mais de R$ 12 milhões na operação da compra, que, no final, não se efetivou. O caso, como se sabe, já está sendo investigado pelo Ministério Público Federal.
Em depoimento à Polícia da Bahia, a empresária Cristina Prestes, da Hempcare Pharma Representações, empresa contratada para a compra de 300 respiradores, revelou que “tratativas que ocorreram na compra de respiradores foram acompanhadas pelo governo do Estado da Bahia”, conforme reportagem do jornal Tribuna do Norte (RN). Diz a íntegra da reportagem, assinada pela jornalista Dinarte Assunção:
“Nesse depoimento, Cristiana entregou os documentos que embasam sua versão. Pela colaboração, a Polícia Civil não pediu que sua prisão e dos outros dois envolvidos no caso fossem prorrogadas. A investigação que começou na Bahia foi federalizada para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro de governador de Estado.
No depoimento dado na Bahia, Cristiana afirmou ter feito pagamentos na ordem de R$ 12,4 milhões a três intermediários, dois deles pelos relacionamentos que fizeram a ponte entre ela e o Consórcio Nordeste e um terceiro para ajudar com contratos com a empresa chinesa da qual seriam comprados os respiradores. Ela emitiu notas fiscais para comprovar os pagamentos.
A empresária também afirmou que quase R$ 10 milhões foram destinados a ela mesma e seu sócio pela tratativa com o Consórcio. Segundo Cristiana informou à polícia, ela detém R$ 9 milhões no exterior decorrente do dinheiro recebido pelos Estados nordestinos. A transação foi declarada às autoridades monetárias do Brasil. A empresária explicou em seu depoimento que declarou tudo que fez exatamente para que não houvesse acusação de lavagem de dinheiro ou evasão de divisas.
Também no depoimento, ela revelou que o então secretário da Casa Civil do Governo da Bahia, Bruno Dauster, a orientou para que acrescentasse aditivos contratuais para aumentar o valor unitário dos equipamentos, passando de US$ 23 mil, para US$ 27 mil e, por fim, US$ 35 mil após relatar que a China estava querendo subir o preço dos equipamentos. Um respirador do porte que o Nordeste estava contratando custa entre US$ 7 mil e US$ 15 mil.
No mesmo depoimento, ela ainda informou que equipamentos chineses poderiam ser trocados por brasileiros, sem que isso fosse formalizado em contrato. Com a repercussão do caso, Bruno Dauster deixou a Casa Civil.
Não consta no depoimento da empresária quem avaliou os repasses que ela alegou ter feito. As comissões levaram os investigadores a questionar se ela tinha conhecimento da distribuição de propina dentro do Consórcio Nordeste, ao que ela disse que não, já que as negociações foram todas conduzidas pelos agentes públicos do Estado da Bahia.
Ao travar um acordo de compra internacional de respiradores com fabricante chinesa, o Consórcio Nordeste fechou negócio em cada equipamento sairia a R$ 156.045,55. Mas o depoimento de Cristiana revela que acordos foram embutidos no valor dos aparelhos, sem que tenham sido especificados no pacto fechado entre os Estados do Nordeste e a empresa.
Nenhuma das cláusulas do contrato autoriza o que foi feito com o dinheiro, segundo o depoimento de Cristiana. De acordo com os termos do pacto entre o Consórcio Nordeste e a Hempcare, o máximo a que se chega é a previsão escrita que o dinheiro do negócio deverá cobrir todos os tributos e taxas “e outros custos necessários ao cumprimento integral do objeto da contratação”.
Pagamentos e elos – Pelo que a empresária falou, R$ 22,4 milhões foram destinados a lucro e comissões pela transação para compra dos respiradores para os Estados do Nordeste utilizarem no combate à pandemia de covid-19, o que representa 45% dos valores público empenhados.
Segundo a empresária, os pagamentos só foram feitos depois que a solução para os respiradores foi encontrada. A primeira tentativa foi da China, que naufragou. Mas ao negociar com o país asiático, a empresária contou que pagou a primeira intermediação: R$ 400 mil a Carlos Kerbes, descrito por ela em depoimento como “amigo pessoal de Bruno Dauster, sendo sócio do irmão de Bruno”.
Sem resultado com a China, Cristiana contou ter avisado a Bruno Dauster que as tratativas no Oriente não deram certo, mas que havia o que ela chamou de ‘Plano B’.
A ideia seria comprar respiradores à empresa brasileira Biogeonergy, que tem um projeto de respirador nacional, mas não certificado ainda pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Um equipamento custaria R$ 50 mil, tendo Cristiana, segundo seu depoimento, ganhado autorização de Bruno Dauster para proceder com a contratação de 480 equipamentos à Biogeonergy. Essa autorização conflita direto com a versão inicial de que houve golpe de estelionato, pois traz o fato de que o Governo da Bahia estava ciente do que acontecia.
A autorização, contou Cristiana, resultou no repasse de R$ 24 milhões a Paulo Tarso de Carlos, da Biogeonergy. Ele também foi preso na operação que apanhou Cristiana.
Mas havia ainda, pelo menos, R$ 24 milhões disponíveis dos recursos que os Estados do Nordeste pagaram. Pelo depoimento da empresária, R$ 9 milhões foram destinados a Fernando Galante e R$ 3 milhões, a Cleber Isaac, descrito à Polícia Civil da Bahia por Paulo de Tarso Carlos como alguém que se apresentava como “detentor do poder de contratação na Bahia” pela proximidade que tem o núcleo-duro do governo baiano.
Na versão que apresentou à polícia, Cristiana apresentou os comprovantes de pagamento e afirmou que, de fato, após os contatos dos intermediadores as coisas fluíram com mais facilidade nas tratativas com os agentes públicos.
Aproximação – A Hempcare Pharma foi criada para tratar da importação de produtos à base de canabidiol. Com o advento da pandemia, redes de contatos se estreitaram. Foi esse estreitamento que aproximou Cristiana a Galante e Isaac, quando ela foi adicionada a um grupo de WhatsApp que reunia empresários de todo o Brasil que tinham interesse em atuar no fornecimento de insumos contra a covid-19.
Foi nesse grupo que ela postou fotos de respiradores chineses indagando se alguém saberia como importar os equipamentos, ao que se estabeleceu contato com Fernando Galante, que lhe respondeu informando, sempre segundo o depoimento da empresário, que dispunha de meios para importar.
Outro lado – O Governo da Bahia, o Consórcio Nordeste e o ex-secretário da Casa Civil baiana, Bruno Dauster, foram procurados para comentar o caso.
O Governo da Bahia informou que encaminharia a demanda da reportagem para o Consórcio Nordeste se manifestar e não retornou até o fechamento desta edição. O Consórcio Nordeste e Bruno Dauster não responderam às mensagens que lhe foram encaminhadas do início da manhã desta quarta-feira, 6.
Fernando Galante, Cleber Isaac e Carlos Kerbes não foram localizados.
A empresária Cristiana Prestes também não foi localizada. Uma irmã contatada pela reportagem afirmou que tudo que ela tinha para falar sobre o tema já foi dito à Justiça, que vai mostrar a verdade.
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