PENSAMENTO PLURAL As cruzes de Copacabana, por Rui Leitão
Em sua mais recente crônica, o escritor e historiador Rui Leitão aborda recente episódio que ficou conhecido como as cruzes de Copacabana, depois que pastor presbiteriano, teólogo e jornalista Antônio Carlos Costa resolveu instalar uma centena de cruzes ao lado de covas rasas nas areia da praia de Copacabana em referência aos mortos pela Covid-19 no Brasil. A manifestação desencadeou reação violenta de várias pessoas que decidiram derrubar as cruzes. Confira a íntegra do texto…
A cruz é para os cristãos um sinal de amor sem limites, simbolizando o estilo de vida que Jesus nos ensinou. Nela Ele foi sacrificado para nos salvar. Por isso se costuma colocar esse emblema cristão na representação da morte, o momento de nossa passagem da vida terrena para a vida no elevado plano de Deus. Por ela homenageamos os mortos. Fazemos isso como reverência memorialista, mas também como manifestação de protesto por obituários causados por tragédias que poderiam ser evitadas ou minimizadas e por compaixão, empatia, solidariedade às dores dos que choram a perda de entes queridos.
A ONG Rio da Paz, fundada e liderada pelo pastor presbiteriano, teólogo e jornalista Antônio Carlos Costa, decidiu, na manhã do feriado de Corpus Christi, instalar cem cruzes ao lado de covas rasas na areia da praia de Copacabana para lembrar os mortos pela Covid-19. A manifestação tinha o propósito, além das homenagens póstumas, de protestar silenciosamente contra a forma como o governo federal vem enfrentando a grave crise sanitária provocada pelo coronavírus. A ideia era também chamar a atenção da população para mensurar a amplitude da violência no Rio de Janeiro. Os integrantes do movimento usavam camisetas pretas e portavam faixas com dizeres denunciando a irresponsabilidade dos governantes diante da pandemia que se instalou no país.
O ato ganhou apoio dos que testemunhavam, compreendendo o seu sentido. Contudo, no Brasil de hoje, o ódio político e ideológico que está sendo disseminado, vem produzindo atitudes que em tempos normais seriam inconcebíveis. A desumanização está se amplificando. A indiferença com o sofrimento do outro, faz a sociedade se tornar insensível, ausente de sentimento solidário, fria. Passamos a testemunhar ações violentas e constrangedoras que depõem contra o conceito de civilidade e respeito ao próximo que todos deveriam considerar.
O acontecimento que merecia repercussão midiática pelo significado do protesto, ganhou as páginas da imprensa nacional e internacional, por conta de uma atitude protagonizada por um indivíduo que, aos gritos de “fora comunistas, vão colocar cruzes na Venezuela”, começou a derrubar as cruzes. A expressão explícita da intolerância às divergências políticas que vem sendo estimulada por autoridades que adotam posturas ideológicas extremistas. Flagrante desrespeito ao luto nacional que pranteia a morte de mais de quarenta mil brasileiros, vitimados pelo Covid-19.
Porém o comportamento ensandecido do cidadão, se é que podemos qualifica-lo assim, teve reação imediata de um homem que assistia aquele espetáculo, condenável sob todos os aspectos. Enquanto as cruzes eram derrubadas, ele as recolocava no lugar, e, chorando, dizia: “perdi um filho para o Covid-19. Respeite a minha dor”. Ele afirmou depois, que sentiu como se tivessem violando o túmulo do seu filho. Como alguém pode ser contra um ato pela vida, perguntava a todos.
Triste e deprimente cena. A que ponto nós chegamos! Cada cruz ali representava uma pessoa, não um número. Sinceramente, assisti tudo aquilo com o estômago embrulhado. Muito mais do que indignação, senti nojo, repulsa, vergonha de ver um brasileiro agindo daquela forma. A sociedade apresentando características de ruptura com a racionalidade. Estamos assistindo a queda dos princípios fundamentais da convivência humana e social? Não podemos continuar sendo coniventes tácitos com a maldade e a insensatez. As cruzes de Copacabana derrubadas pelo encolerizado indivíduo revelam que estamos perigosamente marchando para a definição de uma sociedade apodrecida no que diz respeito aos sentimentos cristãos da solidariedade, da fraternidade e da empatia, que devem prevalecer na convivência entre as pessoas.
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