PENSAMENTO PLURAL A república precisa ser reconstruída, por Rui Leitão
Em sua mais recente crônica, o escritor e historiador Rui Leitão postula como “estamos atualmente impactados pela observação de que essa república (do Brasil) está desmoronando”. Para Rui há um sentimento reinante de desesperança, ante o que considera “a prática da falsa democracia”, que a nação estaria vivenciando neste momento, a requerer uma reconstrução da república, então compreendida como um governo que seja realmente do público, do povo. Confira a íntegra de seu comentário…
Somos uma república ainda muito jovem. E o que é uma república? Uma forma de governo em que, no seu sentido literal, quer dizer “assunto público” (res publica). Representa dizer que o povo é soberano, governado por representantes democraticamente eleitos. Presume-se, portanto, que esses delegados da vontade popular, cumpram suas missões pensando no coletivo, desprendidos de interesses pessoais ou ambições individuais, tratando exclusivamente das demandas sociais.
Temos pouco mais de um século dessa experiência e já passamos por vivências que não correspondem ao verdadeiro sentido da palavra república. Porque nos deparamos com a prática da falsa democracia, seja pela implantação temporária de regimes ditatoriais, seja pelo engano a que fomos submetidos por muitos dos representantes eleitos, quando traíram as expectativas praticando a antítese do que possa ser considerada probidade administrativa.
Estamos atualmente impactados pela observação de que essa república está desmoronando. O edifício em que ela vem sendo construída, está alicerçada na mentira. Toma conta da nação um sentimento de assombro, desesperança, medo. Ficamos a nos perguntar como evitar que essa república entre definitivamente em ruina.
A demagogia, o ludibrio, a manipulação, têm sido práticas comuns do fazer política em nosso país. Ficamos avidamente buscando encontrar a verdade nos discursos e nas proclamações ideológicas. E nos frustramos ao verificar que cometemos equívocos na manifestação de crenças em projetos que nos foram apresentados. Pior do que isso é perceber que, de alguma forma, fomos também contribuintes dessa situação indecorosa a que estamos submetidos. A crise que muitos afirmam ser política, é na verdade moral e ética. Perdemos a noção do senso da idoneidade e da honestidade. Aristóteles já dizia que a demagogia é a corrupção da democracia. Imagina o que não diria se estivesse vivendo no Brasil dos tempos de hoje, observando que se misturam corruptores e corruptos, numa flagrante incapacidade das pessoas assumirem compromissos voltados para o bem comum.
Esse edifício da nossa república jamais se fortalecerá concretamente, sem risco de ruir, se não houver uma revolução cultural. O problema não está somente nos agentes políticos, está na consciência coletiva formada na compreensão de que, para prosperar na vida, há que se mostrar o esperto, o vivaldino, aquele que deseja levar vantagem em tudo, o famoso “jeitinho brasileiro”. Enquanto não acontecer esse despertar de responsabilidade cívica e de cidadania, estaremos contribuindo para a desmoralização do que possa se entender como princípios republicanos do agir.
Queira Deus que esse período traumático que estamos vivendo seja um ponto de reflexão para a necessidade da reconstrução, em bases sólidas, do edifício da nossa república, fundado nos conceitos da moralidade, da ética, da justiça social e da responsabilidade. E que o passado e o presente que nos envergonham agora sejam muito brevemente páginas viradas da nossa história.