PENSAMENTO PLURAL A religião e a política nem sempre são atividades compatíveis, por Rui Leitão
O escritor e historiador Rui Leitão resgata, em sua crônica, episódio registrado no interior de São Paulo, quando um sacerdote usou palavras duras contra o presidente Bolsonaro. Rui pondera que, apesar de eventualmente concordar com as críticas ao presidente e seus seguidores, discorda do fato de um líder religioso transformar “o púlpito em palanque político”, e assinala: “No meu entendimento religião e política não podem ser misturadas dessa maneira politico-partidária”. Confira a íntegra de seu comentário…
Desde a semana passada as redes sociais têm sido inflamadas pela divulgação de um vídeo que mostra um padre católico, Édson Adélio Tagiaferro, da Igreja Matriz Nossa Senhora das Dores, no município paulista de Artur Nogueira, fazendo severas críticas ao comportamento do atual presidente e, por consequência, também dos seus seguidores. Não fossem algumas palavras ofensivas proferidas pelo sacerdote, eu assinaria um documento em que a sua opinião fosse escrita. A minha discordância, além das ofensas desnecessárias, se estabelece quanto à ocasião do pronunciamento. Não consigo admitir que qualquer líder religioso transforme o púlpito em palanque político. Muito mais no uso de uma linguagem imprópria para o ambiente.
No meu entendimento religião e política não podem ser misturadas dessa maneira politico-partidária. Padres e pastores evangélicos devem sim expressar considerações sobre temas importantes para o seu “rebanho”, desde que se eximam de partidarizar ou ideologizar suas manifestações, bem como não personalizar críticas. Foi o grande erro que cometeu o sacerdote católico. O altar não era o local adequado para o discurso nos termos em que foi pronunciado. Entendi a sua indignação com a situação que estamos vivendo no Brasil, mas o sermão ganhou um caráter político impróprio para as circunstâncias.
O papel político do líder religioso é procurar unir a comunidade propagando mensagens de amor, tolerância e fraternidade. O que não representa dizer que abra mão da sua obrigação de bem orientar os fiéis, buscando preservar o clima de convivência pacífica entre pessoas que pensam diferente. A igreja não é o fórum para o debate acirrado, movido por paixões partidárias ou ideológicas.
Por outro lado, é inadmissível o aproveitamento da boa fé dos fiéis numa flagrante descaracterização das práticas e das crenças religiosas, com o objetivo de conquistar vantagens eleitorais. Nas eleições de 2018 isso ficou muito evidente. Boa parte dos pastores evangélicos e alguns padres católicos abusaram do poder religioso para influenciarem de maneira negativa e ilegal a vontade dos que frequentam suas igrejas. Templos foram utilizados como comitês político-partidários. Houve explícita manipulação psicológica dos eleitores sob suas lideranças.
A retórica adotada foi no sentido de que estariam defendendo o conservadorismo, a ética e os bons costumes. A biografia e os pronunciamentos do candidato escolhido não se harmonizavam com esse discurso aparentemente moralista. A radicalização ideológica que vivenciamos na campanha, e que se mantém ainda hoje, só contribui para desconsiderar os verdadeiros valores da fé cristã. Estranhamente se colocam contra pautas humanistas com o argumento de que isso é coisa da “esquerda”.
Apesar dessa minha contrariedade com a postura política majoritária dos pastores evangélicos e de considerável número de padres católicos, busquei encontrar uma igreja onde pudesse prestar meu culto ao Deus que acredito e ouvir sermões que efetivamente fossem de interpretação da Palavra. A Igreja Presbiteriana de Tambaú tem sido para mim o “oásis” nesse deserto. Os presbíteros que ali ministram a pregação do evangelho, nunca fizeram do púlpito um palanque político. Conheço as preferências e posições político-ideológicas dos pastores Robinson Granjeiro e Thiago Bruno, e do reverendo Kylven Guedes, das quais temos algumas divergências. Porém, jamais os vi nos cultos dominicais expressarem suas convicções ou opções no campo da política.
O recinto sagrado das igrejas não deve ser profanamente utilizado como comitê eleitoral. Nem os líderes religiosos devam ser “cabos eleitorais” de qualquer que seja o candidato. Podem até militar politicamente, mas como cidadãos, nunca como sacerdotes.
VÍDEO PODE SER CONFERIDO EM…
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