PENSAMENTO PLURAL O menosprezo aos povos indígenas, por Rui Leitão
Em sua crônica, o escritor e historiados Rui Leitão aborda a “relação conflituosa do governo Bolsonaro e os povos indígenas”. Apesar de um pensamento majoritário mundial em favorável, segundo Rui, à preservação e até ampliação de direitos dos indígenas, o governo estaria tentando descredenciar as suas conquistas, afirmando, em mais de uma oportunidade, que índios no Brasil têm terras demais, e sinalizando a abertura das áreas em disputa para exploração comercial. Confira íntegra de seu comentário…
“Eu odeio o termo povos indígenas”. Essa foi a declaração do ex ministro Weintraub, da Educação, na deplorável reunião do alto estafe do governo federal realizada no Palácio do Planalto do dia vinte e dois de abril próximo passado. A manifestação pública de aversão à cultura indígena é bem a expressão do que pensa o governo a respeito. Esse absurdo proclamado em voz alta e raivosa na presença do presidente da república, não mereceu qualquer reprimenda da maior autoridade do país, o que representa dizer que “quem cala, consente”.
Tem sido conflituosa a relação do governo Bolsonaro e os povos indígenas. Já em campanha o presidente deixava claro que não via os índios com bons olhos. Tanto que revelava publicamente que ao assumir não demarcaria nenhuma terra indígena e buscaria reduzir as áreas já demarcadas. A promessa do candidato vem sendo cumprida. Sem o menor constrangimento costuma dizer: “No Brasil há muita terra para pouco índio”. Desconhece acintosamente o que dispõe a nossa Carta Magna, no seu artigo 231: “ “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Com esse propósito tentou retirar da FUNAI a atribuição de demarcar terra indígenas, no que foi impedido pelo STF.
Ele defende que as terras indígenas sejam abertas para atividades econômicas de grande escala, com a intenção de agradar os mineradores e os agropecuaristas. Tem se omitido quanto a atuação ilegal dos garimpeiros em algumas terras indígenas com fortes impactos ambientais e sociais. Se firma no argumento de que a expansão da pecuária em seus territórios ajudaria a baixar o preço da carne bovina no Brasil. Ignora que essa prática prejudicaria a agricultura tradicional voltada para o consumo dos próprios moradores ou de mercados locais. Insiste, portanto, em contrariar a Constituição quando afirma que as riquezas do solo, rios e lagos dos territórios indígenas são de seu uso exclusivo.
Apoiando a opinião racista e etnocêntrica do seu ex ministro, na crença de que o povo brasileiro deve ser compreendido como um só, busca integrar as comunidades indígenas à cultura nacional, menosprezando sua organização social, seus costumes, suas línguas e suas tradições. Nunca escondeu que o seu projeto é tornar o índio igual a nós. Aliás, pensamento muito parecido com o discurso que os ditadores militares adotavam. É, sem qualquer dúvida, um ataque genocida, que merece ser contido pelas instituições, os tribunais e o parlamento do Brasil, proporcionando a esses povos o amparo legal e prático que se faz necessário.
Vozes em todo o planeta têm manifestado solidariedade às comunidades indígenas brasileiras, em defesa dos seus direitos. Todavia, o governo tem reagido contra essa importante fiscalização internacional independente. Discursando na Assembleia Geral da ONU, em setembro do ano passado, acusou que algumas ONGs (Organizações Não Governamentais) teimam em tratar nossos índios como verdadeiros homens das cavernas. Prevalece a lógica colonial de fatiar terras disponíveis para a exploração econômica, sem respeitar as fronteiras dos povos ancestrais.
A situação se agravou nos meses recentes com a pandemia da Covid-19. Invasores ao entrarem nos seus territórios, sem que se observe, por parte do governo, qualquer providência no sentido de que isso seja evitado, levam o novo coronavírus para essas regiões, cujos habitantes vivem uma situação de vulnerabilidade imunológica e política. O desmatamento e o garimpo ilegal não dão trégua. Esse posicionamento anti-indígena encontra na pandemia o instrumento para disfarçar a prática genocida.
Resistamos e não permitamos que nosso país passe a ser conhecido no mundo inteiro como o único que não dá valor às suas raízes. Afinal de contas, todos nós temos sangue índio correndo em nossas veias. Essa violência que se promove contra os povos indígenas é inaceitável e reclama que respeitemos e ressaltemos a importância da cultura indígena na formação da sociedade brasileira. Os povos indígenas não merecem esse menosprezo, muito menos de quem tem a obrigação de preservar e valorizar a sua cultura.