PENSAMENTO PLURAL A fúria dos incels, por Palmarí de Lucena
O escritor Palmarí de Lucena aborda, nesta crônica, algo diferente, mas, relevante ao debate sobre o uso de mídias sociais por grupos extremistas. “A convergência de grupos misóginos com supremacistas e nacionalistas brancos, promete ser um dos grandes desafios para uma internet democrática. Em um episódio recente, um homem chamado Den Hollander, advogado auto-descrito como anti-feminista, assassinou um filho de uma Juíza e assassinou seu marido. Entre suas queixas, a inconstitucionalidade do tratamento especial para mulheres, ladies’ nights em bares e programas de estudos sobre as mulheres. A narrativa do assassino se enquadra perfeitamente como as disseminadas por incels“. Confira íntegra do texto…
Multiplicidade de subculturas na Internet, algumas inofensivas, outras nem tanto assim, tem sido motivo de louvor ou questionamento da abrangência da democracia virtual. Internautas conhecidos como “incels” e seus grupos virtuais, são citados frequentemente como exemplo da facilidade, que ideias ou posturas obnóxias podem se transformar em algo convencional. Incel é a sigla da expressão “celibato involuntário”, autoimposta por grupos de homens heterossexuais, na maioria jovens, que se definem pela incapacidade de encontrar um parceiro romântico ou sexual, compartilhando histórias de infortúnio, queixas contra opressores, reais ou imaginários.
Membros de grupos ou comunidades de incels se reforçam mutualmente, acreditando que aparência e característica pessoal os condenaram a uma existência de solidão, enquanto muitos dos seus pares atiçam as chamas da discórdia com narrativas preconceituosas, teorias que culpam mulheres por suas situações difíceis, sempre apresentando-as como vazias, estúpidas e cruéis, interessadas oportunisticamente em um punhado de homens atrativos, desdenhado os demais.
Em anos recentes, os incels têm construído uma ideologia política fundamentada em queixas de injustiça concretizadas por jovens mulheres bonitas se recusando a ter relações sexuais com eles, baseando suas ações frequentemente em noções de supremacia branca. Julgando-se pouco atraentes e socialmente ineptos, adotam posturas diabolicamente misóginas, sem nunca considerar sua declarada misoginia um fator presuntivo no fracasso em atrair mulheres ou formar relacionamentos.
Internet transforma o medo de fracasso. É fácil enfrentar a paisagem social inclinada a rejeição vivendo online, onde aqueles que se sentem ameaçados ou agravados podem repercutir suas dores, promover narrativas tóxicas, denunciar tudo que não se enquadra em sua visão do mundo ou cometer atos de violência. Eles já se sentem desconectados da sociedade, enfrentando diminuídas oportunidades de emprego, escolaridade deficiente e confusos, de outra forma, com as mudanças em expectativas da atualidade.
Comunidades de incels expõem este fenômeno no seu extremo mais agudo. Irados, homens frustrados discutem em detalhes minuciosos, mulheres que eles acusam de rejeita-los e o impacto de mudanças sociais cridas por um mundo injusto, que se transformaram em obstáculos inescapáveis para o progresso masculino. Contrário a sabedoria convencional, incels não estão procurando sexo, o que eles aspiram é voltar aos tempos de supremacia masculina, visão misógina, que infelizmente se incorporou a narrativa política de forças opostas ao nivelamento de condições de competitividade, paridade salarial e mobilidade ascendente da mulher no mercado de trabalho.
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