PENSAMENTO PLURAL Alvorecer de um ano horrível, por Palmarí de Lucena
É praticamente uma unanimidade mundial que 2002 foi um ano que não deveria ter existido, tantas foram as agruras causadas pelo coronavírus. O escritor Palmarí lembra como este ano “deixará sequelas profundas na nossa geração, um divisor de águas entre um antes e um depois na história”. Confira a íntegra de seu comentário…
O ano de 2020 deixará sequelas profundas na nossa geração, um divisor de águas entre um antes e um depois na história. Independente da narrativa futura sobre os acontecimentos que ocorreram nos últimos doze meses, uma coisa é certa, o mundo atordoado pela pandemia do covid-19, foi forçado a viver raros e indecisos momentos de sobriedade. Engulhando a alimentação forçada de verdades e a abundância de inverdades, que desafiaram a sabedoria convencional, moldando um mundo rico em desentendimento e inconfortável com as verdades jorrando da terra, com a exuberância de gêiseres sulfurosos.
Durante o começo da saga do coronavírus, testemunhamos o primeiro momento da convergência da intolerância com ingerência política de um governo ditatorial, suprimindo a verdade sobre a descoberta do vírus por um médico chinês, frustrando tentativas de alertar o mundo sobre os perigos da doença, descarrilhando achados científicos sem consideração as consequências do custo humano a ser causado por suas ações. Constatamos também que vários governos democráticos se valeram de remendos ideológicos para esconder ou minimizar os efeitos da tragédia envolvendo a humanidade, tanto ditaduras como democracias mostraram-se capazes de ignorar a morte, por repressão a verdades inconfortáveis ou negacionismo da profundidade da pandemia.
Em vez de reforçar cooperação internacional enquanto o vírus espalhava-se incontrolavelmente, governos usaram poderio econômico para garantir suprimento prioritário de máscaras e respiradores e de protecionismo para impedir a exportação de insumos ou reexportação de carregamentos em trânsito para outros países. Descobertas de vacinas foram ofuscadas pelo comportamento de países ricos, que compraram bilhões de doses em quantidades suficientes para imunizar múltiplas vezes suas populações. Países pobres entraram na humilhante fila, buscando garantias que pelo menos uma parte destes avanços científicos beneficiariam suas populações. Enquanto outros usaram argumentos ideológicos para esquivar-se de adquirir vacinas produzidas além da esfera político-econômica americana, em deferência aos caprichos protecionistas de Donald Trump.
A pandemia foi o espelho e os reflexos de um mundo desigual, desnorteado pela periculosidade da doença e governando por alguns lideres intransigentes, capazes de ignorar a realidade cruel da doença, um mundo que não teve o poder de escolher apenas os reflexos que interessavam, a genialidade, a solidariedade e a beleza do ser humano impedindo a derrocada de uma humanidade maltratada.
* Na imagem de Dom Hélder Câmara, acima, o texto When I give food to the poor, they call me a saint. When I ask why they are poor, they call me a communist” significa “Quando dou comida aos pobres, chamam-me de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista“.
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