PENSAMENTO PLURAL Em busca de esperança, por Palmarí de Lucena
O escritor Palmarí de Lucena reflete, em sua crônica, sobre uma características mais intrínsecas ao humano que é a esperança. E de como, apesar da iminente chegada de vacinas para combater a pandemia, as próximas semanas podem ser ainda mais preocupantes com o avanço do coronavírus, seja pela incompetência dos governantes, seja pelo realce das desigualdades potencializadas pela pandemia. Confira a íntegra do comentário…
Reorganizando orquídeas e pequenas coisas, seguindo a trajetória de beija-flores, acompanhando as nuances sutis das plantas, encontrando em gestos solidários de estranhos, momentos de claridade no redemoinho emocional de um ano de tragédia inimaginável. Vadeando a situação caótica ao nosso redor, dobrando esquinas traiçoeiras de uma estrada pavimentada de pedras pontiagudas, esquecendo a rota de retorno ao ponto de partida da nossa caminhada, em busca de esperança.
O nunca mais do que o nunca foi. Tentando enxergar um novo caminho, uma vida normal previsível em seus aspectos mais básicos, enquanto contemplamos a beleza impalpável de um horizonte longínquo. Esperança transformando-se na palavra chave do ano que mal começou. “O ser humano tem esperança, ou seja, vê como possível a realização daquilo que deseja, porque essa característica lhe é intrínseca — constitui sua própria essência”, sábias palavras do educador Paulo Freire.
É essencial não permitir que a esperança e a luta por um futuro melhor, se traduzam precariamente em platitudes repetidas em nossas mensagens de Ano Novo. Devemos transformá-las em guias práticos de um novo ano, que se afigura como desafiador, embora ao mesmo tempo fértil de possibilidades positivas. Eventualmente, a esperança triunfará sobre os demônios que nos mantêm escravos de inverdades, vítimas de preconceitos e sentimentos de inferioridade.
As primeiras vacinas estão trazendo uma réstia de luz aos quartos escuros de uma humanidade atordoada pela crueldade da pandemia, incompetência de seus governantes e o realce das desigualdades que todos sabíamos existir, mas preferíamos ignorar, torná-las invisíveis. Estamos longe do fim, cientistas alertam que as próximas semanas podem ser ainda mais mortais. Hospitais e unidades de terapia intensiva nos Estados Unidos, Europa e alguns países da América Latina estão exaurindo ou prestes de exaurir suas capacidades para conter os efeitos da pandemia
Existe uma tendência humana de tentar minimizar coisas ruins que acontecem conosco ou ao nosso redor, postura que não contribui para compreender e eventualmente processar sentimentos negativos, que acumulamos na ânsia de criarmos verdades alternativas. É preciso processar, sentir e viver nossos medos, mesmo a custo de sofrermos um pouco mais, encarando a ansiedade de dias incertos. A última coisa que o ser humano precisa é que aqueles em quem confiam os empurrem a seguir em frente, sem primeiro entender que esperança só desponta, após processarmos a angústia e dor que acumulamos durante o ano que passou.