PENSAMENTO PLURAL Um carma coletivo, por Rui Leitão
Superamos as projeções mais pessimistas em relação à letalidade da pandemia do coronavírus no Brasil. Já são mais de duzentos mil brasileiros que perderam a vida vitimados por esse vírus. E ainda há quem diga: “e daí? Não sou coveiro”. Será que continuaria afirmando tal disparate se entre os mortos existisse algum parente próximo? Tenho certeza que não. Eu sou um dos que pertencem às mais de duas centenas de família que choram a morte de um ente querido. A dor e a saudade são enormes.
Representa mais de dez por cento de todos os óbitos do mundo causados por essa doença. É a maior crise sanitária já vivida no país. O que nos deixa mais tristes e preocupados é ver altas autoridades da nação minimizando os seus riscos. Esse terrível número de mortos, inclusive, reduziu a expectativa de vida dos brasileiros, 76,5 para 74,6 anos, segundo estudo feito pelo Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. É a primeira vez desde a década de 1940 que a expectativa de vida cai. Sozinha, a covid-19 matou o triplo das mortes por outras causas, como acidentes de trânsito e assassinatos. E a trágica estatística não pára de crescer. Pode ser maior ainda devido à subnotificação de casos que se sabe vem acontecendo no Brasil.
Não estou apontando culpados. Até porque a própria sociedade tem parcela de culpa nisso tudo, quando vem desconsiderando irresponsavelmente as recomendações médico-científicas para contenção do seu avanço de contaminação. Mas não há como ignorar de que tem sido insatisfatória a resposta do governo federal diante da grave situação sanitária que estamos enfrentando. O negacionismo da ciência, explicitado por algumas lideranças políticas, potencializa os efeitos da pandemia.
Ficamos na expectativa ansiosa da chegada da vacina na esperança de que possa interromper essa ascensão insuportável. Mas não temos oficialmente informações tranquilizadoras quanto ao início da vacinação no país. Pelo contrário, vemos campanhas anti-vacina comandadas por quem deveria estar convencendo a população de que é importante ser imunizada. A vacina não pode ter matiz ideológica, nem nacionalidade. Isso é uma politização criminosa. Enquanto mais de doze milhões de pessoas já foram vacinadas no mundo, aqui continuamos sem data marcada para começar, em que pesem os esforços de alguns governantes estaduais e municipais para apressar o começo da vacinação.
Estamos perdendo a batalha, mas precisamos continuar lutado para não perdermos a guerra. A vacina é a arma que esperamos contar para vencermos. A falta de seriedade e de responsabilidade não poderão continuar sendo marcas de gestão da saúde pública com agravantes tons de crueldade. Estarrece a mórbida indiferença para com a evolução do problema. Esperar o que de um ministério que tem no seu comando um general que nada entende de saúde? Assistimos com preocupação o silêncio dos coniventes, a prática do charlatanismo oficial (a cloroquina como exemplo) e a inércia de algumas instituições de república. Estamos experimentando um carma coletivo.
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