PENSAMENTO PLURAL Passaporte de vacina ou apartheid sanitário? Por Palmarí de Lucena
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Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena trata de um assunto que se tornou pauta entre algumas nações, e vem causando repúdio da comunidade internacional: a criação de uma espécie de passaporte da vacina, para permitir a circulação apenas de pessoas vacinadas. Palmarí entendo que esta prática, se implantada, criaria “o equivalente moral de um apartheid sanitário”. Confira a íntegra do seu texto…
Israel declarou o primeiro lockdown, de uma série de três, em março de 2020 e outras medidas preventivas que culminaram na bem sucedida campanha de imunização nacional, que é a inveja do mundo. Residentes do território nacional podem frequentar restaurantes, ginásios, hotéis, simplesmente apresentando um “passe verde” certificando que o portador está totalmente inoculado ou recuperado de um caso confirmado da covid-19. Lamentavelmente, o programa não atingiu as pessoas vivendo em territórios palestinos ocupados militarmente, a revelia da 4a Convenção de Genebra, que obriga Israel de assegurar suprimentos médicos a população sob sua tutela, “incluindo adoção e aplicação de medidas profiláticas e preventivas necessárias no combate a propagação de doenças contagiosas e epidemias.”
De todos outros países considerando um sistema nacional de “passaporte de vacina”, o Reino Unido é o candidato mais lógico após aplicar a primeira dose em mais de 50% da população, alcançando uma redução significante de hospitalizações e óbitos provocados pela covid-19. A abordagem sendo considerada pelos britânicos, é uma variante do passe verde israelense, que neste caso seria a emissão de certificados a pessoas imunizadas, apresentando prova de teste negativo recente ou de imunidade natural substanciada por um teste positivo, realizado nos últimos seis meses. Certificados seriam mandatórios para grandes eventos, festivais, concertos e partidas de futebol.
É compreensível que países com estoque de vacinas suficientes para a maior parte da população, estejam interessados em exigir passaportes nacionais de imunização, como uma maneira mais rápida e segura de reabrir a economia e retornar a um estilo de vida normal a sociedade, como um todo. Afinal de contas, prova de uma ou duas injeções parece ser um pequeno preço a pagar pela liberdade. Muitos países já exigem prova de vacinação contra outros patógenos, como precondição para entrada ou deslocamento no próprio território nacional.
O principal problema com o passe ou passaporte é que intenção e percepção nem sempre coincidem, a pandemia já afeta desordenadamente pessoas na base na raça, gênero e situação socioeconômica, fato agravado por estoques insuficientes de imunizantes e acesso desproporcional de pessoas com mobilidade diferenciada. A emissão de passaportes de vacina para atividades sociais, criariam o equivalente moral de um apartheid sanitário, acelerando o retorno a normalidade e ao mesmo incorrendo o risco de relegar mais profundamente segmentos da população na miséria e garras de preconceitos históricos.
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