PENSAMENTO PLURAL Fake news e desordem da informação? por Angélica Lúcio
A jornalista Angélica Lúcio, em oportuno comentário, aborda a questão das fake news, ou, especialmente, o fundamento das informações falsas. No seu texto, Angélica trata da informação incorrera, da desinformação e da mal-informação, termos que compõem esse corolário de um fenômeno da modernidade, sempre com o objetivo de ludibriar o cidadão com dados e informações imprecisas, muitas vez com interesses inconfessáveis. Confira íntegra de seu comentário…
Em 2017, o Dicionário Collins (da editora britânica de mesmo nome) elegeu o termo fake news como “palavra do ano”. Na publicação inglesa, a expressão é conceituada como “informações falsas, muitas vezes sensacionalistas, disseminadas como se fossem notícias”. Para os pesquisadores Claire Wardle e Hossein Derakhshan, no entanto, o termo fake news é insuficiente para abarcar o fenômeno da produção, difusão e consumo de um volume variado e extenso de informações de má qualidade, que pode ser comparado à poluição. No caso, trata-se de “poluição informacional”.
No relatório “Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making” (Desordem de Informação – rumo a um quadro interdisciplinar de pesquisa e formulação de políticas), a dupla de autores considera que fake news é um termo ambíguo e simplista, não dando conta da complexidade do problema. Em substituição a “notícias falsas”, Claire Wardle e Hossein Derakhshan apresentam um novo quadro conceitual e tratam de “desordem de informação”.
Os autores trabalham com as dimensões do dano e da falsidade, ao apontar três tipos de desordem de informação: Informação incorreta, quando informações falsas são compartilhadas, mas sem intenção de dano; Des-informação, quando informações falsas são conscientemente compartilhadas para causar danos; Mal-informação, quando informações genuínas são compartilhadas para causar danos, muitas vezes por meio da publicação de informações destinadas a permanecerem privadas.
No relatório, os autores ainda apontam sete variações de desinformação (citando o artigo científico “Fake News. It’s Complicated”, de Wardle), que revelam um amplo espectro de conteúdo problemático no ecossistema da informação:
- Falsa conexão – quando manchetes, ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo;
- Falso contexto – quando o conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa;
- Manipulação do conteúdo – quando a informação ou imagem genuína é manipulada para engajar;
- Sátira ou paródia – não tem intenção de prejudicar, mas tem potencial de enganar;
- Conteúdo enganoso – uso enganoso de informações reais para enquadrar uma questão ou comprometer um indivíduo;
- Conteúdo impostor – quando fontes genuínas são imitadas;
- Conteúdo fabricado – conteúdo novo e 100% falso, criado para ludibriar e prejudicar.
No relatório “Information Disorder…”, a dupla de autores também apresenta outro motivo para a não adoção do termo fake news de forma abrangente – o uso político do termo. É notória, por exemplo, a apropriação política da expressão fake news por autoridades, nos mais diversos países, com o objetivo de atacar, reprimir e deslegitimar uma notícia ou veículo desfavorável a algum político ou crença, prejudicando a confiança no jornalismo profissional.
O relatório elaborado por Claire Wardle e Hossein Derakhshan não se limita a apontar problemas decorrentes da desordem da informação. Também sugere caminhos para que empresas, governantes, grupos de mídia e outros organismos possam colaborar no combate à desinformação.
O documento é extenso, tem 109 páginas, mas é essencial para quem objetiva adotar uma leitura crítica do ambiente informacional e midiático. No site do Projeto Credibilidade (capítulo brasileiro de The Trust Project www.credibilidade.org/), há várias informações sobre a desordem da informação, as quais foram baseadas no conteúdo elaborado por Claire Wardle e Hossein Derakhshan. Leia. Vale a pena!
(Artigo publicado originalmente no jornal A União, edição de 18 de abril de 2021)
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