PENSAMENTO PLURAL Um ano em três palavras, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena observa como três palavras dão tanto significado à condição atual da humanidade. “Pobreza, orçamento secreto, democracia, pobreza e esperança são as palavras do ano no Brasil”, diz em seu comentário. Confira íntegra de seu texto…
Faltando menos de duas semanas para 2022 terminar, três dicionários de língua inglesa, Oxford, Collins, e Merriam-Webster, já escolheram as Palavras do Ano. O critério adotado pelo Oxford, aparenta ser o mais universal ao selecionar a palavra baseado no caráter, ânimo e as preocupações dos doze meses passados, potencial do termo ser de significado cultural duradouro e uma análise rigorosa da frequência estatística e de outros dados à disposição de editoras na internet.
Popularizado na pandemia, “goblin mode” ou literalmente “modo duende”, a palavra escolhida pelo Oxford refere-se ao tipo de comportamento de quem é assumidamente autoindulgente, preguiçoso, desleixado ou ganancioso, expressado por uma atitude que rejeita as normas ou expectativas sociais. Usada em tom pejorativo, a expressão resume criticamente o estado de espírito prevalente em indivíduos, que rejeitaram a ideia de retornar à ‘vida normal’, optando por estilos de vida insustentáveis nas mídias sociais.
Collins escolheu “permacrise”, um termo abrangente sobre a sensação de viver em um período prolongado de instabilidade e insegurança, sem prospectivas de melhoras. Guerra no Continente Europeu, desdobramentos que estão causando alta de preços, crise energética, inflação galopante, agravados pela emergência climática e movimentos antidemocráticos emergentes nas democracias ocidentais. Palavra válida mundo afora, sem dúvida, permacrise ou crise permanente resume com robusta convicção qualquer período duradouro de instabilidade, insegurança, ocorrências catastróficas como guerras e crises generalizadas, como o atoleiro onde se encontra grande parte da humanidade.
Merriam-Webster elegeu “gaslighting” como sua palavra, ao registrar um aumento de 1.740% nas buscas pelo termo na internet, é uma forma de abuso psicológico na qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade, tornou-se uma importante prática dentro de veiculação e popularidade de fake news.
As três palavras elencam com coerência e convicção a situação do mundo atual, prisioneiros dos efeitos maléficos da pandemia, ascensão da mentira e desinformação como instrumento de polarização, revanchismo e ódio, causando graves embalances nas relações entre pessoas e instituições. Separados em lados opostos de um rifte, tornamo-nos incapazes de debater ideias civilmente ou nos libertamos da autoindulgência do modo duende, imersos nas profundezas da permacrise, enquanto mentirosos e charlatões, sejam políticos ou religiosos, nos transformam em prisioneiros do gaslighting que usam para manterem-se no poder, atiçar preconceitos, diminuir capacidade de exercer escolhas e buscar uma esperança, cada vez mais elusiva.
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