PENSAMENTO PLURAL Nova face da ditadura: quando o poder popular é sufocado, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena lembra como ditadores modernos, tipo Nicolás Maduro na Venezuela, sufocam a sociedade civil e a democracia eleitoral, manipulando os resultados das eleições e reprimindo a oposição. Mesmo com a oposição obtendo sucesso nas urnas, Maduro usou táticas autoritárias para se declarar vencedor. Há uma necessidade urgente de novas estratégias para combater essas ditaduras. Confira íntegra…
Este ano, testemunhamos explosões impressionantes de poder popular em várias partes do mundo, manifestadas tanto nas urnas quanto nas ruas. Na Venezuela, uma oposição resiliente desafiou o ditador Nicolás Maduro nas urnas. No entanto, o que se seguiu foi um padrão desanimador e familiar: as esperanças geradas por esses movimentos de base foram brutalmente esmagadas. Ditadores têm aperfeiçoado a arte de sufocar a sociedade civil e a democracia eleitoral, contornando a vontade dos eleitores com uma combinação de coerção física, punição e manipulação midiática — um conjunto de táticas conhecido como o “manual do ditador”.
A Venezuela exemplifica claramente esse padrão. Após anos de governo destrutivo, em que a economia despencou e a competição política foi sistematicamente eliminada, Maduro prometeu, em outubro, eleições justas como parte de um acordo com a oposição. Entretanto, essa promessa rapidamente se revelou vazia. Membros da oposição foram presos, e a candidatura legítima de María Corina Machado foi bloqueada. Mesmo assim, a oposição, com Edmundo González como candidato substituto, conseguiu um desempenho impressionante nas urnas.
No dia da eleição, 28 de julho, González aparentemente recebeu mais do que o dobro dos votos de Maduro, segundo uma revisão do Washington Post de mais de 23.000 folhas de resultados em nível de seção eleitoral, representando quase 80% das máquinas de votação no país. Em vez de admitir a derrota, Maduro recorreu novamente ao manual do ditador. Ele declarou falsamente vitória, alegando ter obtido 52% dos votos contra 43% de González. O conselho eleitoral nacional, controlado pelo regime, se recusou a divulgar quaisquer resultados detalhados. Em resposta aos protestos, Maduro enviou forças especiais para prender cerca de 2.000 manifestantes e tentou intimidar ainda mais a mídia, enquanto seu procurador-geral iniciou uma investigação criminal contra os líderes da oposição por insurreição.
A resposta global a essa fraude foi, no mínimo, tímida e decepcionante. Líderes do Brasil, Colômbia e México pediram uma verificação imparcial dos resultados — um bom primeiro passo — mas pararam antes de declarar González vencedor ou exigir que Maduro aceitasse a derrota. Nesse contexto, o papel do Carter Center, uma das poucas vozes independentes na observação da recente eleição presidencial na Venezuela, foi crucial. A organização verificou os dados das atas eleitorais coletadas por diversos segmentos da sociedade civil e pelos partidos de oposição, e a confirmação da consistência desses dados não apenas valida a integridade do processo eleitoral, mas também serve como um forte indicativo de que o candidato opositor, Edmundo González, venceu o pleito de maneira inequívoca.
Maduro, até agora, ignora todas essas declarações, demonstrando mais uma vez o funcionamento do “manual do ditador”: ignorar descaradamente a vontade do povo. Contudo, este padrão não é exclusivo da Venezuela. Autocratas ao redor do mundo têm aprendido a se apoiar mutuamente, formando redes de regimes que trocam experiências e técnicas de repressão. Maduro, por exemplo, conta com o apoio constante de líderes autoritários na Rússia, Cuba e China.
Apesar da repressão, os resultados venezuelanos mostraram o poder de uma mobilização de base bem-sucedida. Ainda é possível que os democratas da Venezuela revertam a situação, mas, se Maduro conseguir ignorar o voto, a democracia sofrerá mais um sério revés. É imperativo que as democracias busquem novos métodos para transformar o poder popular em mudanças reais e sustentáveis. Há uma necessidade urgente de um novo pensamento sobre como combater a ditadura em todas as suas formas, à medida que ela se metastatiza e expande. O mundo livre precisa ir além de cúpulas, comunicados de imprensa e sanções, que têm se mostrado lentos e ineficazes. Agora, mais do que nunca, é hora de buscar respostas melhores — e mais eficazes — para um novo manual da democracia.
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