PENSAMENTO PLURAL Vladimir se vai mas segue imortal através de suas obras, por Durval Leal
Em sua crônica, o cineasta Durval Leal lamenta a morte de Vladimir Carvalho, o Zé dos Santos, e destaca como ele se fez “imortal através de suas obras, como Engenho de Zé Lins, Rock Brasília, Conterrâneos velhos de guerra. Ele revisitou todos os tempos e viverá nos templos da luz dos cinematográfos”. Confira íntegra…
Lá se foi Zé dos Santos a esculpir umburanas em outras paragens; era assim que meu pai se referia a Vladimir Carvalho, seu amigo de escola de artes e ofícios e de faculdade, onde Vladimir estudou Filosofia e meu pai, Economia. Em Brasília, Vladimir criou o curso de Cinema da Universidade de Brasília (UNB).
Vladimir, um eterno militante comunista, destacava-se na intelectualidade de João Pessoa na década de 1960. Era um intelectual visionário, o Eisenstein das escadarias do Liceu. Fugiu para a Bahia, onde adotou o codinome Zé dos Santos, criando imagens de santos com maestria enquanto se escondia da revolução.
Menino de Itabaiana, que brincava de cangaceiro, tinha a grifa como mira e via no matraquear do projetor sua arma. Com sua leitura crítica e sua percepção humanista da natureza, tornou-se um profissional do olhar que, desde os primeiros momentos, conduziu o cinema brasileiro. Junto a Linduarte Noronha, roteirizou Aruanda; com João Ramiro Melo, filmou Romeiros da Guia. Realizou tantos documentários que criou uma escola e convenceu a oligarquia dos Gadelhas a financiar cinema. Com isso, filmou o mítico O País de São Saruê, consolidando o cinema como um ofício.
Em minha casa, sua trajetória era narrada como a de um argonauta. Minha mãe sempre o via como um bom filho, enaltecendo o carinho e a atenção que Vladimir dedicava a sua mãe viúva. Era o amigo de meu pai, um dos poucos que não bebia durante as visitas. Conversavam sobre o que ouviam nas rádios estrangeiras—um vício compartilhado—e sobre suas paixões pelo Flamengo. Para mim, ele era um mito, o cineasta. Meu pai dizia que ele era um “Fausto Cangaceiro”, aquele que buscava o conhecimento e o entendimento de seu tempo com um olhar crítico.
O amigo de meu pai caminhava em direção a uma eternidade de luz natural; seus filmes eram iluminados de maneira orgânica, e seus projetos, despojados de aparatos e traquitanas. Sua linguagem consistia em extrair conteúdos e formas das trajetórias narrativas do simples, contando histórias de tempos passados. Com ele, tive a oportunidade de sonhar em ser documentarista. Através de seu exemplo, comecei a enxergar filmografias e narrativas de outras paisagens.
Às vezes, nos víamos em suas visitas a João Pessoa; éramos mais assíduos na década de 1980 e 1990. Através dele, me envolvi na política audiovisual e tornei-me presidente da Associação Brasileira de Documentaristas—seção Paraíba. Ele me convenceu a assumir, pois ninguém queria. Em abril de 1995, com seu apoio, coordenei o seminário “A Produção do Conhecimento Através do Audiovisual”, um evento que marcou o lançamento da ONG PARAIWA. Ao seu lado, estiveram presentes Eduardo Coutinho e outros visionários documentaristas.
Vladimir Carvalho é imortal através de suas obras, como Engenho de Zé Lins, Rock Brasília, Conterrâneos velhos de guerra. Ele revisitou todos os tempos e viverá nos templos da luz dos cinematográfos.
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