PENSAMENTO PLURAL O crime organizado e a fragilidade da democracia latino-americana, por Palmarí de Lucena
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena, levanta a questão sensível do narcotráfico e milícias, que, no Brasil e no México, desafiam a democracia, infiltrando-se nas estruturas do poder. No Brasil, o uso de emendas parlamentares como moeda de troca compromete a transparência, enquanto no México, os cartéis permeiam todos os níveis de governo. “Instituições vulneráveis necessitam de fortalecimento urgente, para não se tornarem reféns de interesses sombrios, requerendo mobilização da sociedade civil para evitar uma decadência democrática”, pontua. Confira íntegra…
A influência do crime organizado nas democracias do Brasil e do México coloca a América Latina diante de uma encruzilhada alarmante. Tanto o narcotráfico quanto as milícias vêm se consolidando como forças paralelas, infiltrando-se nas engrenagens do poder e desafiando as estruturas democráticas. Essa infiltração é acompanhada por um fenômeno igualmente perturbador: o uso questionável de emendas parlamentares, que se tornou, no caso brasileiro, uma ferramenta para a compra de apoios políticos, desviando recursos públicos e transformando a política em um mercado de alianças locais.
No México, o domínio dos cartéis já há décadas é uma realidade que permeia todos os níveis de poder, da política local à segurança pública, com consequências trágicas e duradouras. No Brasil, o cenário ainda se desenha, mas a ameaça é clara. As milícias, fortalecidas em áreas periféricas, criam zonas de influência, prometem “proteção” e estabelecem uma justiça própria, esvaziando o poder estatal e minando a democracia ao atuarem como um Estado paralelo.
Ao mesmo tempo, a prática das emendas parlamentares sem transparência mimetiza as artimanhas do crime organizado, transformando o processo democrático em uma mera formalidade. Esse mecanismo, longe de servir ao bem público, torna-se uma moeda de troca para governantes que desejam consolidar seu poder, comprometendo a autonomia política dos municípios e minando a confiança do eleitor.
Essa vulnerabilidade institucional ainda carrega o peso de uma narrativa há muito disseminada: o temor de que o Brasil se tornasse uma “nova Venezuela.” Esse espectro, promovido por setores da direita, revelou-se infundado, mas desviou a atenção dos problemas reais que, agora, exigem respostas urgentes: o fortalecimento das instituições, o combate à corrupção e a garantia de um processo eleitoral autêntico e independente.
Entretanto, essa luta pela integridade democrática é dificultada pela cumplicidade de um Legislativo que, por vezes, se mostra conivente com elementos do crime organizado. Laços entre legisladores e facções criminosas transformam o Parlamento em um campo minado, onde interesses obscuros limitam o alcance de reformas essenciais e bloqueiam iniciativas de fiscalização. E, diante desse quadro, o sistema judiciário, contaminado em certos pontos pelo mesmo poder criminoso, mostra-se incapaz de agir de forma eficaz, o que agrava a sensação de impunidade e enfraquece a estrutura de justiça.
Para que as democracias do Brasil e do México não se tornem reféns de facções criminosas ou de interesses financiados pelo Tesouro, é essencial que haja uma resposta vigorosa. A implementação de controles rigorosos e a transparência no uso dos recursos públicos são passos fundamentais para proteger o voto popular contra influências corruptas. É preciso que o processo eleitoral seja um verdadeiro reflexo da vontade popular, e não uma peça manipulada por interesses sombrios.
A hora é agora. Se as instituições não se fortalecerem e a sociedade civil não se mobilizar, as democracias latino-americanas estarão fadadas a uma decadência silenciosa, uma “ditadura perfeita” orquestrada pelas sombras, longe dos olhos do povo.
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