PENSAMENTO PLURAL Os dois lados da alta do dólar, por Palmarí de Lucena
A alta do dólar gera impactos duais: enquanto impulsiona exportadores e fortalece reservas cambiais, encarece importações e onera consumidores. É o que postula o escritor Palmarí de Lucena em seu texto da semana. “Pequenos empresários e famílias enfrentam inflação e custos elevados, expondo desigualdades. A análise do fenômeno exige reflexão equilibrada, considerando estratégias econômicas que mitiguem danos e potencializem oportunidades no cenário global”, pontua. Confira íntegra…
A recente queda do dólar, que encerrou em R$ 6,12 após cinco altas consecutivas, trouxe um breve alívio a um mercado marcado pela tensão e pela imprevisibilidade. O recuo de 2,32%, fruto de intervenções do Banco Central, não apaga, porém, os efeitos persistentes de uma moeda americana robusta, cujas ondas de impacto atingem a economia brasileira de maneiras tão desiguais quanto os próprios setores que a compõem.
A alta do dólar, ao mesmo tempo, representa respiro e sufoco, um paradoxo que traduz a complexidade de uma economia globalizada. Para os grandes exportadores, cada incremento no câmbio é um ganho imediato. O agronegócio, por exemplo, encontra no dólar valorizado um aliado natural: receitas em reais aumentam substancialmente a cada embarque ao exterior, enquanto os custos com insumos importados podem ser postergados, graças a estoques estratégicos de fertilizantes e máquinas. Setores como mineração e celulose, com operações quase inteiramente domésticas, colhem ainda mais frutos, pois não carregam o peso de insumos estrangeiros. Para eles, o dólar alto é um presente sem contrapartida.
Entretanto, do outro lado desse espectro, o consumidor brasileiro enfrenta o ônus da desvalorização cambial. Produtos importados tornam-se inacessíveis, e até mesmo bens produzidos localmente carregam os custos ocultos da dependência de insumos externos. O trigo, essencial ao pão e ao macarrão, ilustra bem essa realidade: item básico da mesa nacional, seu preço traduz fielmente a volatilidade do câmbio. A alta do dólar não é uma abstração; é uma realidade que se reflete em prateleiras mais caras e orçamentos mais apertados.
Na indústria, os reflexos da moeda forte desenham um mosaico de contrastes. Empresas orientadas para o mercado externo conseguem surfar a onda da valorização, enquanto aquelas voltadas para o consumo interno enfrentam pressões quase insuportáveis. Montadoras e fabricantes de bens de consumo, dependentes de componentes importados, veem suas margens encolherem à medida que tentam absorver os aumentos de custo. E quando decidem repassá-los ao consumidor, encontram um mercado já saturado de reajustes.
O turismo é outro setor onde a oscilação cambial se manifesta em tons ambíguos. Para estrangeiros, o Brasil surge como um destino mais atraente, e a chegada de visitantes promete alguma vitalidade econômica. Já para os brasileiros, o dólar alto fecha portas. Viajar ao exterior torna-se um luxo, e sonhos de férias em destinos internacionais são substituídos por escapadas locais. Ironia maior, talvez, seja o fato de que, enquanto o país se torna mais acessível ao mundo, ele se distancia de seu próprio povo.
O cenário atual reflete também a fragilidade estrutural do real, que, com uma desvalorização acumulada de 26,18% neste ano, consolida sua posição como uma das moedas mais enfraquecidas frente ao dólar. Esse contexto aprofunda desigualdades e amplifica desafios para um governo já pressionado pela inflação e pela perda de poder de compra das famílias. Ações pontuais do Banco Central, ainda que eficazes no curto prazo, não são capazes de mitigar as profundas raízes dessa volatilidade.
E o futuro, como sempre, permanece nebuloso. As dinâmicas internacionais, influenciadas por políticas protecionistas e o desejo de desvalorização do dólar por parte dos Estados Unidos, adicionam complexidade ao cenário. No Brasil, o comportamento do câmbio dependerá não apenas de intervenções governamentais, mas também do equilíbrio entre políticas fiscais e a percepção de risco pelos mercados. A continuidade de um dólar elevado parece mais provável que sua queda abrupta, impondo, assim, um ciclo de ajustes, resistências e perdas.
O dólar não é apenas uma cifra; é um espelho das interconexões globais e das vulnerabilidades locais. Suas flutuações carregam consigo esperanças e temores, oportunidades e limitações. Para alguns, a valorização representa colheitas e ganhos; para outros, o peso de adaptações difíceis e sacrifícios inevitáveis. Em um mundo onde a economia é uma trama intricada, o câmbio torna-se mais que um indicador financeiro: é uma força capaz de moldar vidas, negócios e aspirações.
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