Após a prisão do ex-presidente Collor de Mello por escândalo revelado na Lava Jato, além da recente condenação da ex-primeira-dama Nadine Heredia, do Peru, também pelo esquema desbaratado na Lava Jato, eis que outro fantasma sai do armário: trata-se do escândalo dos tais respiradores, comprados por quase 50 milhões, no início da pandemia, pelo Consórcio Nordeste e nunca entregue.
A empresa HempCare, que recebeu mais de R$ 48,7 milhões pela compra de 300 respiradores durante a pandemia de Covid-19 e nunca entregou os equipamentos aos governadores do Consórcio Nordeste. Já os gestores Carlos Gabas e Valderi Claudino de Souza, respectivamente secretário-executivo e gerente administrativo do consórcio à época, foram absolvidos.
Investigação da Polícia Federal encontrou indícios de que os recursos pagos em 2020 bancou gastos particulares, como a compra de carros e o pagamento de faturas de cartão de crédito, segundo documentos em poder do portal UOL. A investigação revela indícios robustos de um esquema de desvio de recursos.
Em um intervalo de apenas um mês (8 de abril a 20 de maio de 2020), a empresa Hempcare esvaziou suas contas, transferindo integralmente os R$ 48,7 milhões recebidos do Consórcio Nordeste para diversas pessoas e empresas sem qualquer ligação com a compra de ventiladores. O TCU acompanha o caso porque parte dos recursos usados, R$ 4,9 milhões, era de origem federal. Tratava-se da cota dos Estados da Paraíba e Sergipe, segundo o G1.
Gastança – Ainda de acordo com a PF, em menos de um mês, o dinheiro desviado bancou a compra de bens de alto valor. Uma das beneficiárias adquiriu um SUV Volkswagen Touareg (R$ 75 mil, em valores da época), um caminhão Mercedes-Benz Accelo 815 (R$ 176 mil) e um Mitsubishi ASX (R$ 76 mil), todos em 2020. Outro destinatário dos repasses utilizou parte dos fundos para quitar R$ 150 mil em faturas de cartão de crédito.
A PF aponta também que ao menos R$ 5 milhões passaram pelas contas de empresas destinadas à administração de bens, ao ramo imobiliário e a bancos e fundos de investimento, “mas nunca chegaram a uma empresa sequer que efetivamente trabalhasse com a compra de ventiladores pulmonares”.
Pra entender – Em 2020, o vírus da covid-19 se disseminou pelo país e houve um crescimento exponencial no número de mortos pela doença. Na época presidente do Consórcio Nordeste, que reúne os estados da região, Rui Costa assinou contrato com a Hempcare que previa o pagamento adiantado da totalidade do valor.
Especializada em medicamentos à base de maconha, a empresa, entretanto, nunca tinha fornecido esse tipo de equipamento nem tinha experiência no ramo. Os respiradores nunca foram entregues, e a totalidade do dinheiro até hoje não foi recuperada.
O plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) até decidiu inocentar o então secretário-executivo do consórcio, Carlos Gabas, que emitiu os empenhos para o pagamento antecipado. A decisão contrariou parecer da área técnica, que apontou uma série de irregularidades na contratação e recomendou a aplicação de multa.
O inquérito da Polícia Federal sobre o assunto ainda está em andamento. No início do mês, a Justiça Federal da Bahia devolveu a investigação ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O caso tramitava na primeira instância desde maio de 2023 porque Rui Costa não tinha mais direito ao foro privilegiado de governador. Porém, como o STF (Supremo Tribunal Federal) modificou o entendimento sobre foro privilegiado, o juiz federal Fábio Moreira Ramiro, da 2ª Vara Criminal Federal de Salvador, determinou o retorno da investigação ao STJ, instância responsável por processar governadores.
Delação – O UOL revelou, em abril do ano passado, que a dona da empresa, Cristiana Taddeo, admitiu em delação premiada que pagou comissões milionárias a um lobista que se apresentou como amigo de Rui Costa e da então primeira-dama, Aline Peixoto.
Esse amigo, Cleber Isaac, teria cobrado o pagamento em troca de intermediar a celebração do contrato. Isaac e um outro lobista, Fernando Galante, receberam um total de R$ 11 milhões. A PF apura se essas comissões também foram repassadas a funcionários públicos.
Ela, então, devolveu R$ 10 milhões aos cofres públicos em seu acordo de delação, que foi o valor total embolsado pela empresária com o contrato. O restante do dinheiro foi desviado nessas transferências que a Polícia Federal ainda busca rastrear.
Operação – Em agosto do ano passado, a PF deflagrou nova operação sobre o caso e cumpriu busca e apreensão contra Cleber Isaac e outros alvos que atuaram no negócio.
Após analisar os detalhes das quebra de sigilo bancário, a PF detectou que Cleber Isaac e Galante rapidamente repassaram os recursos para outros destinatários com o objetivo de dissimular a origem ilícita dos valores.
Os recursos transitaram, por exemplo, por empresas do ramo imobiliário e até mesmo fundos de investimento. Galante transferiu recursos para sua secretária, que foi responsável pela compra dos três carros de luxo e para uma familiar, que usou o dinheiro no pagamento de faturas de cartão de crédito.
O juiz federal Fábio Ramiro determinou, ao autorizar a operação, o bloqueio de bens de todas as pessoas que receberam pagamentos a partir do contrato dos respiradores, com o objetivo de tentar recuperar esses valores. Agora, o caso ficará sob responsabilidade do ministro do STJ Og Fernandes.