PENSAMENTO PLURAL A união que desune: consequências não intencionais da nova política de federação, por Palmarí de Lucena

A federação entre grandes partidos, como União Brasil e PP, visava ampliar o poder eleitoral, mas produziu efeitos colaterais não intencionais: conflitos regionais, perda de identidade partidária e crise de representatividade. É o que postula o escritor Palmarí de Lucena em seu comentário, e ainda: “Ao priorizar estratégia sobre projeto, alianças se tornam frágeis e desorganizam a política. O eleitor, desorientado, vota em siglas que já não representam ideias, apenas interesses.” Confira íntegra…

Quando a engenharia política desenha soluções universais para problemas nacionais, invariavelmente encontra a resistência da topografia local. Assim acontece com as federações partidárias no Brasil: pensadas como instrumentos de racionalização do sistema político, terminam, nas mãos dos grandes partidos, por se tornar máquinas de poder desalinhadas da realidade que pretendem governar.

A mais recente dessas construções — a União Progressista, fusão entre União Brasil e Progressistas — revela um novo uso da ferramenta institucional: o de ampliar musculatura eleitoral de grandes legendas. O que era tábua de salvação para partidos ameaçados pela cláusula de barreira tornou-se, de súbito, escada de acesso a fundos públicos, tempo de TV e influência ministerial. O cálculo é racional. Mas a política, como se sabe, não é só matemática. É também memória, território e vaidade.

É nesse ponto que emergem as consequências não intencionais. Ao tentar somar forças no plano nacional, as federações acabam amplificando conflitos nas bases regionais. Caciques históricos, antes adversários, agora são empurrados para a mesma sala sem que se tenha apagado o passado de rivalidade. Na Bahia, em São Paulo, na Paraíba e no Acre, pipocam disputas silenciosas (ou nem tanto) por comando, verbas, palanques e espaço simbólico. A fórmula da federação, vendida como solução para a fragmentação, corre o risco de virar fermento para novas cisões.

A promessa de um comando rotativo entre Ciro Nogueira e Antonio Rueda serve de anestesia momentânea, mas não cura as fraturas de base. Em vez de unidade programática, temos um condomínio conflituoso. A federação é apresentada como casamento, mas muitos já preparam o divórcio nos bastidores. Afinal, onde partidos se unem sem projeto comum, resta apenas a ambição — e ela, como sabemos, não aceita coabitação pacífica.

As intenções podem até ter sido pragmáticas: conter a fragmentação, garantir governabilidade, reduzir o número de siglas nanicas. No entanto, os efeitos colaterais expõem o risco de as federações se tornarem Frankenstein político — com braços eleitorais robustos e cabeças sem direção.

Pior ainda: em meio à engenharia dos acordos, o eleitor some da equação. Vota-se num deputado de um partido, e elege-se alguém sem afinidade ideológica ou territorial. A identidade partidária, já fragilizada, se dissolve de vez. E o que era para ser solução vira desorientação.

Esse tipo de manobra pode até dar frutos num primeiro momento — cadeiras, recursos, ministérios — mas tende a secar a árvore do debate público. Sem raízes ideológicas nem troncos programáticos, o que sobra são folhas ao vento: partidos que não inspiram, não mobilizam, não representam. Apenas operam.

As federações, mal geridas e desvirtuadas de seu propósito inicial, tornam-se espelhos de uma democracia cada vez mais transacional. Se o objetivo era conter a fragmentação, talvez estejamos apenas rearranjando os cacos.

O Brasil precisa de partidos que dialoguem com sua diversidade sem perder coerência; que construam alianças, sim, mas com sentido de projeto e compromisso com o eleitor. Se continuarmos substituindo ideias por acordos de ocasião, não será apenas a federação que perderá sentido — será a própria democracia. E nesse jogo, as consequências não intencionais podem custar muito mais do que o previsto no estatuto.

 

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