Em seu comentário, o professor Emir Candeia se inspira em artigo do escritor Palmarí de Lucena, publicado no Blog. “O chamado fundo eleitoral tornou-se, na prática, um mecanismo de manutenção de privilégios e de distorções estruturais da política nacional”, pontua Emir. E ainda: “O fundo deveria servir para equilibrar o processo eleitoral, mas se transformou em arma de concentração de poder.” Confira íntegra…
Criado sob o pretexto de moralizar as campanhas eleitorais após a proibição do financiamento empresarial, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) — o chamado fundo eleitoral — tornou-se, na prática, um mecanismo de manutenção de privilégios e de distorções estruturais da política nacional. Em vez de corrigir um vício, institucionalizou outro, agora amparado pelo próprio Estado.
Em 2022, o fundo eleitoral consumiu quase R$ 5 bilhões do orçamento público. Seus defensores alegam que ele evita a influência do poder econômico privado nas eleições. No entanto, quem sempre manipulou as engrenagens do sistema — dos favores locais ao transporte de eleitores — apenas adaptou suas práticas. O financiamento passou a ser público, mas os beneficiários continuam sendo os mesmos.
A história recente mostra isso com clareza. O escândalo do Mensalão, no início dos anos 2000, inaugurou o varejo das propinas no Congresso. Depois veio o Petrolão, com o uso das estatais para abastecer partidos e enriquecer intermediários. Quando a Lava Jato desmantelou essa engrenagem, surgiu a “solução mágica”: legalizar o financiamento com dinheiro público — e garantir sua distribuição nas mãos dos que já controlam o jogo.
O fundo deveria servir para equilibrar o processo eleitoral, mas se transformou em arma de concentração de poder. As regras internas de distribuição são opacas. Os grandes partidos mantêm seus caciques, sufocam novas lideranças e bloqueiam qualquer renovação. É uma máquina de moer democracia financiada pelo contribuinte.
Mais grave ainda: os partidos passaram a usar parte desse dinheiro para manter suas estruturas o ano inteiro. Pagam altos salários a dirigentes, marqueteiros, advogados e até a figuras condenadas pela Justiça. Escritórios de luxo, consultorias políticas e gastos com imagem são bancados com dinheiro público — muitas vezes, em benefício pessoal dos líderes partidários.
A prestação de contas é superficial. A fiscalização, simbólica. Os partidos funcionam como empresas mantidas com recursos da população, mas sem a transparência exigida de qualquer empresa privada ou cidadão comum.
No fundo, o FEFC se consolidou como um instrumento de blindagem da elite política. A apropriação de bilhões do orçamento para garantir vantagens a quem já detém as estruturas partidárias, os currais eleitorais e os mandatos não é apenas antidemocrática — é moralmente inaceitável.
E tudo isso acontece num país onde milhões vivem sem saneamento, saúde digna ou acesso à educação de qualidade. A sociedade, perplexa e muitas vezes resignada, assiste a esse ciclo perverso. Os mesmos que defendem cortes de benefícios sociais e austeridade fiscal são os que turbinam o fundo eleitoral a cada eleição, com desenvoltura e cinismo.
Moralizaram a política? Não. Apenas organizaram a imoralidade com aparência de legalidade.
(*Artigo baseado no artigo escrito por Palmari de Lucena, no Blog de Helder Moura)
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