Em seu comentário, o advogado Ronaldo Cunha Lila Filho volta a refletir sobre a suposta tentativa de golpe no Brasil, que vem sendo objeto de julgamento no Supremo Tribunal Federal. “Estou convencido de que, no dia 8 de janeiro, não houve tentativa de golpe de Estado. Tratou-se de uma horda desorganizada, sem comando, sem juízo e violenta, insatisfeita com o resultado das eleições”, postula Ronaldo Filho. Confira íntegra…
O contraditório é da essência da democracia. Sem ele, instala-se o autoritarismo — a prevalência da vontade de um único homem ou de um grupo restrito.
O Supremo Tribunal Federal (STF), decidindo em instância única e originária, pode errar; e, nessa hipótese, o duplo grau de jurisdição (previsto na Constituição) fica comprometido — excetuando-se os casos de foro privilegiado. Não há a quem recorrer, senão no âmbito do próprio do tribunal, observando-se seu regimento interno.
Estou convencido de que, no dia 8 de janeiro, não houve tentativa de golpe de Estado. Tratou-se de uma horda desorganizada, sem comando, sem juízo e violenta, insatisfeita com o resultado das eleições (em que o presidente Lula foi eleito (democraticamente), insuflados pelo enfadonho, perigoso e condenável discurso de Bolsonaro — o candidato derrotado — que sistematicamente questionava a lisura do processo eleitoral.
A criminosa depredação do patrimônio público, por mais grave que tenha sido, não configurou, por si só, o crime de golpe de Estado — “nem mesmo tentativa”.
O Código Penal assim define a tentativa da prática de um crime: Código Penal – Art. 14, inciso II: “Diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.”
Fica claro que não houve um propósito definido, claro e inequívoco de consumar um golpe de Estado, cuja frustração decorresse de fatores externos. No Brasil polarizado de hoje, as pessoas não conseguem enxergar além de suas crenças, convicções e preferências políticas. Sem um olhar isento, torna-se impossível alcançar a verdade. Prevalecem as narrativas — versões parciais, moldadas por conveniência ou paixões.
A acusação que pesa sobre Bolsonaro e militares a ele ligados — a de tentativa de golpe —, à luz do Direito, não se sustenta.
A imputação tem como base principal a chamada “minuta do golpe” — um rascunho, sem qualquer assinatura, que previa a decretação do estado de sítio ou de defesa, hipóteses previstas na própria Constituição Federal. Essa minuta foi encontrada durante uma busca e apreensão na casa do então ministro da Justiça, Anderson Torres.
A minuta circulou entre autoridades civis e militares, incluindo o próprio Bolsonaro — isso não se discute. Mas, até aqui, qual crime foi cometido? Estupidez, imbecilidade e burrice ainda não constam do Código Penal. Houve alguma tentativa concreta? A resposta, livre de paixões, é: não.
O estado de sítio ou o estado de defesa, sobre os quais tratava o documento apócrifo, são instrumentos previstos na Constituição Federal e podem ser decretados em caso de grave instabilidade institucional — o que evidentement não se verificava no país naquele momento.
E, para ter validade, atentem: era necessário que o Conselho da República fosse convocado para referendá-lo. E quem compõe esse conselho? São: Presidente da República (que o preside), Vice-Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal, Líder da maioria na Câmara dos Deputados, Líder da minoria na Câmara dos Deputados, Líder da maioria no Senado Federal, Líder da minoria no Senado Federal, Ministro da Justiça e seis cidadãos indicados conforme prevê a Constituição
Quem, em sã consciência, tenta dar um golpe de Estado tendo que envolver todas essas autoridades e por decreto?
Um golpe previsto na Constituição? Não dá! Só no Brasil.
O que se depreende até aqui, diante das provas colhidas e das evidências apresentadas, é que houve uma lambança sem precedentes — mas essa lambança não configura uma efetiva tentativa de golpe, que só ocorre *quando alguém tenta, por meios violentos ou ilegais, tirar do poder um governo legitimamente constituído, sem conseguir consumar o ato por motivos alheios à sua vontade* — o que, de fato, não aconteceu.
O Código Penal é claro: “Art. 359-M – Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.
Não houve violência nem grave ameaça. Os baderneiros do 8 de janeiro, que usaram de violência contra o patrimônio público, não podem contaminar Bolsonaro no aspecto penal.
Quebrar relógio, quebrar vidros, atear fogo em espaços restritos, jogar carro policial num lago e pichar com batom uma estátua que não fala nem vê — por mais que se queira — não configura tentativa de golpe de Estado. Acredito que o crime praticado foi o de organização criminosa . Que por este sejam julgados e condenados.
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