PENSAMENTO PLURAL Nós contra ele: uma estratégia falida e perigosa da Esquerda em tempos de maturidade fiscal, por Emir Candeia

Em seu comentário, o professor Emir Candeia volta a tratar da mais recente campanha do Governo Lula, envolvendo o slogan “nós contra eles”. E pontua: “Essa narrativa, marcada por uma estratégia emocionalmente poderosa, mas economicamente desastrosa, tem sido usada por setores da esquerda brasileira como uma espécie de cola ideológica para encobrir fracassos administrativos e a ausência de soluções estruturantes.” Confira íntegra…

Em um país que tenta equilibrar suas contas, gerar emprego e reduzir a desigualdade real, ainda há quem insista em dividir a sociedade entre “nós” e “eles” — ricos contra pobres, patrões contra empregados, direita contra esquerda, elite contra povo. Essa narrativa, marcada por uma estratégia emocionalmente poderosa, mas economicamente desastrosa, tem sido usada por setores da esquerda brasileira como uma espécie de cola ideológica para encobrir fracassos administrativos e a ausência de soluções estruturantes.

No entanto, o Brasil de 2025 não é mais o país de 2002. A estratégia de antagonismo social é um truque velho, cansado e perigoso, que não responde às necessidades reais da população. O que as pessoas querem hoje é estabilidade, emprego, serviços públicos funcionando e um país que avance com responsabilidade. E isso passa, inevitavelmente, por maturidade fiscal.

A metáfora da casa em desordem
Imagine uma família endividada. O pai, gestor da casa, vê a fatura do cartão subir, os juros dos empréstimos corroerem o orçamento, e os boletos da escola e do supermercado se acumularem. De repente, ele ganha um dinheiro extra. Mas, ao invés de usá-lo para ajustar as contas e acalmar os credores, ele troca de carro, compra celular novo e inicia reformas estéticas na casa.

Os bancos, percebendo que ele não mudou de atitude, aumentam os juros por medo de calote. A confiança se esvai. É exatamente isso que tem ocorrido com o Brasil. Mesmo com aumento da arrecadação, o governo continua ampliando os gastos, e o mercado, desconfiado da capacidade de ajuste, mantém os juros altos.

Agora, imagine que o pai decide criar uma nova “taxa doméstica” (como o decreto do IOF), tirando mais dinheiro do orçamento dos filhos para bancar gastos simbólicos — ajudar parentes distantes, reformar o coreto da praça, contribuir com o clube do samba. Os filhos (Congresso) se revoltam, não porque são contra ajudar, mas porque querem primeiro ver a casa arrumada, com menos desperdício, mais responsabilidade e prioridade nas contas essenciais.

O pai, sem diálogo, vai até o “avô” da família (o STF) pedindo respaldo para sua decisão unilateral. O avô suspende tudo e chama a família para conversar.

Esse episódio do IOF retrata, de forma clara, a fragilidade da coordenação fiscal no país, agravada não apenas por disputas institucionais, mas por uma mentalidade ainda muito presa à retórica ideológica e à demagogia populista.

A obsessão pela narrativa, não pela solução
A esquerda, em boa parte, não está focada em reduzir a pobreza com eficiência, mas sim em insistir em uma obsessiva busca por igualdade abstrata, ainda que isso signifique desorganizar o sistema produtivo ou sufocar os investimentos.

Em vez de discutir como tornar o Brasil mais competitivo, menos desigual e mais eficiente, optam por manter uma retórica cansada — como se redistribuir migalhas, atacar empresários e demonizar o “mercado” fosse suficiente para resolver problemas profundos. É triste quando uma narrativa vale mais do que uma solução estruturante. É ainda mais triste quando se criminaliza o debate fiscal sério como se fosse “coisa de banqueiro” ou “inimigo do povo”.

O Brasil precisa de responsabilidade — não de palavras de ordem. Precisa de ajustes nas contas públicas, sim, mas também de reformas que ampliem a produtividade, atraiam investimentos e reduzam desigualdades sem sacrificar o futuro fiscal.

Crítica aos fatos, não às pessoas
É legítimo criticar decisões, decretos, estratégias econômicas. Mas é injusto e improdutivo transformar qualquer crítica técnica em ataque ideológico ou pessoal. O debate sobre o decreto do IOF, por exemplo, deveria ser analisado com lupa fiscal — e não com megafone político.

A tentativa de transformar tudo em guerra de classes ou conflito moral é um desserviço à democracia, à economia e à cidadania. Governos maduros tratam divergências com diálogo e dados, e não com polarização e slogans de palanque.

Conclusão
A narrativa de “nós contra eles” pode ainda comover militantes, mas não entrega resultados, não baixa os juros, não atrai investidores e, principalmente, não organiza a casa. O Brasil não precisa de mais divisão — precisa de união em torno de uma agenda fiscal responsável, de crescimento sustentável e de inclusão real.

A esquerda, se quiser se modernizar, precisa abandonar a retórica do passado e caminhar para o presente: menos discurso, mais equilíbrio; menos guerra cultural, mais reforma estrutural. É assim que um país avança. Com coragem, com verdade — e com a maturidade de saber que governar é, antes de tudo, saber priorizar

 

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