PENSAMENTO PLURAL Quando o café da manhã vira campo de batalha, por Palmarí de Lucena

Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena lembra que Trump, ao decidir taxar em 50% o café e o suco de laranja importados, atinge em cheio o café da manhã americano. “A medida, vista como aceno à família Bolsonaro e à direita brasileira, encarece produtos essenciais e transforma a mesa do cidadão comum em trincheira ideológica. Uma guerra comercial travestida de patriotismo — amarga, desnecessária e politicamente motivada”, diz Palmarí. Confira íntegra…

Há gestos de governo que não precisam de tanques nem decretos para impor seu peso sobre a vida cotidiana. Basta uma tarifa, um canetaço, uma ordem econômica disfarçada de bravata patriótica. Donald Trump, em seu retorno à guerra de gestos e slogans, anunciou um tarifaço de 50% sobre o café e o suco de laranja importados — dois pilares do café da manhã americano. O estrago, desta vez, não é apenas comercial. É simbólico.

A primeira vítima é a xícara do trabalhador. O americano comum, que desperta com o cheiro do café latino e o frescor cítrico do suco brasileiro, verá os preços subirem e a qualidade cair. Mais que isso: verá a globalização do seu paladar se tornar refém de uma guerra ideológica forjada para satisfazer plateias específicas — como a família Bolsonaro e a direita torpe do Brasil, que ainda sonha com um mundo onde Trump comanda e todos os outros obedecem.

O gesto tem gosto de vingança servida no desjejum. Um sabor agridoce de política externa rasa, em que o paladar nacional vira munição eleitoral. Ao mirar o Brasil, principal fornecedor de suco e café, Trump mira também num aliado que já se ajoelhou demais em nome da subserviência ideológica. É o Brasil de Bolsonaro — que apoiou, aplaudiu, fez lobby e ainda assim colhe tarifas, desprezo e ironia.

E o que faz parte da elite brasileira? Aplaude. Justifica. Diz que é “culpa do Lula”, que “o Brasil provocou”, que “Trump está certo”. É a direita sem projeto, que prefere um Brasil de joelhos ao invés de um Brasil de pé. Que aceita sanções contra seu próprio país se vierem carimbadas com o selo MAGA — mesmo que isso signifique atacar diretamente a lavoura, o produtor, o exportador, e por tabela, a economia nacional.

Nos Estados Unidos, o café da manhã é quase um ritual laico: é pausa, é aconchego, é rotina. Mexer com ele é mexer com a alma do cotidiano. Ao encarecer o café e o suco, Trump não apenas pune o Brasil — pune o americano comum para agradar uma narrativa. A mesa virou trincheira. A política, utensílio de cozinha.

O café amargou. E não por excesso de torra, mas por falta de lucidez diplomática. Quando o comércio é guiado por ideologias tacanhas e amizades perigosas, até o pão com manteiga vira moeda de chantagem. E o que era para ser apenas uma manhã comum se transforma em campo de batalha geopolítico.

 

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