PENSAMENTO PLURAL O circo, o tarifaço e o ninho de mafagafos, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena observa como “o tarifaço de Trump expôs o racha na direita brasileira: Tarcísio e Eduardo Bolsonaro disputam liderança num cenário de vaidades, anistia frustrada e alianças frágeis”. E ainda: “Com Bolsonaro inelegível, resta um ninho de mafagafos — confuso, ruidoso e desgovernado — onde palhaços disputam o picadeiro sem saber quem conduz o espetáculo, enquanto o público começa a se retirar.” Confira íntegra…

Trump pune, Bolsonaro súplica, e a nova direita brasileira briga por um trono vazio

O tarifaço de 50% imposto por Donald Trump ao Brasil não é apenas uma medida protecionista. É um pano de fundo simbólico para o novo capítulo da tragicomédia em que se transformou a política da direita brasileira. Uma trama que mistura vingança internacional, chantagem parlamentar e vaidade de bastidor.

Enquanto o país se pergunta por que foi penalizado, dois protagonistas se digladiam no picadeiro do bolsonarismo. De um lado, Eduardo Bolsonaro, com a faixa de “herdeiro legítimo” e sede de protagonismo internacional. Do outro, Tarcísio de Freitas, que tenta parecer racional sem jamais contrariar o ex-chefe. Ambos querem o Planalto em 2026 — e nenhum parece disposto a renunciar ao microfone.

Tarcísio cometeu o erro clássico de quem tenta governar com um olho no cargo e o outro na aprovação de quem já caiu. Procurou diplomatas americanos e ministros do STF para tentar devolver a Bolsonaro o passaporte e, com isso, abrir caminho para um apelo pessoal a Trump. O gesto, que soou como servilismo, foi chamado de “submissão às elites” por Eduardo — que, aliás, falava de Miami, como se fosse embaixador informal da própria família.

No centro do embate, um tema recorrente: a anistia aos réus do 8 de Janeiro, apresentada por aliados como moeda de troca para a suspensão do tarifaço. A conta era simples: perdoem Bolsonaro e Trump recua. Mas o plano afundou antes do recesso parlamentar. O Centrão recuou. O Congresso se calou. E os bastidores viraram um ringue.

A pesquisa Genial/Quaest indicou que 72% dos brasileiros consideram Trump injusto ao retaliar o país. Mas a razão deu lugar ao ressentimento. E a estratégia virou briga pública.

O que se vê, hoje, é uma direita que tropeça na própria retórica, dividida entre o bolsonarismo puro e a tentativa frustrada de moderação. Ninguém larga o osso, mas ninguém sabe ao certo o que fazer com ele. O ex-presidente, inelegível, transforma sua própria sobrevivência judicial em pauta de política externa. Seus filhos brigam por espaço. Seus aliados se digladiam em grupos de WhatsApp. E o eleitorado conservador, que já viu esse filme antes, começa a deixar o teatro pela saída dos fundos.

A essa altura, chamar esse grupo de “ninho de mafagafos” talvez seja generoso.

Embora “mafagafos” não tenha um significado preciso — é uma palavra inventada, quase disparatado —, no contexto político funciona como uma metáfora perfeita: um grupo confuso, barulhento e difícil de organizar; um emaranhado de vaidades sem lógica; um ninho onde ninguém sabe quem lidera, mas todos brigam por poder.

E assim, no lugar de uma direita articulada, restou um bando de palhaços à procura de um picadeiro. Cada um com sua fantasia, seu número solo e sua ambição desmedida. O dono do circo, por enquanto, está inelegível — e talvez prestes a ser condenado.

A pergunta que sobra não é apenas quem herdará esse ninho de mafagafos, mas se ainda existe público disposto a assistir a esse espetáculo.