PENSAMENTO PLURAL Trump, Bolsonaro e a retórica da liberdade usada contra a democracia, por Palmarí de Lucena

O texto do escritor Palmarí de Lucena analisa como Donald Trump e Jair Bolsonaro utilizam o discurso da liberdade de expressão para justificar ataques às instituições democráticas e evitar responsabilização judicial. “Ambos se apresentam como vítimas políticas, mas suas ações revelam estratégias de desinformação, chantagem e fuga. A verdadeira liberdade exige responsabilidade — algo que seus seguidores preferem ignorar”, pontua. Confira íntegra…

Nos últimos anos, uma narrativa bem ensaiada tem ganhado força nos discursos da nova direita: a de que vivemos uma era de censura judicial, de perseguição a ideias e de asfixia da liberdade de expressão. Os protagonistas dessa história — Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil — se apresentam como vítimas de um sistema autoritário que não tolera suas opiniões. Mas basta olhar de perto para entender que a realidade é outra.

Trump, mesmo condenado por crimes graves, continua a disseminar mentiras sobre as eleições, atacar a imprensa e sabotar a confiança nas instituições democráticas. E agora, do alto de sua influência, pressiona setores políticos e econômicos dos EUA para interferirem em assuntos internos de outros países. O recente tarifaço sobre produtos brasileiros, como suco de laranja e café, foi defendido por aliados trumpistas como resposta à “perseguição” a Bolsonaro. Uma chantagem econômica disfarçada de doutrina moral.

No Brasil, a estratégia é parecida. Bolsonaro e seus aliados seguem mobilizados — mesmo fora do poder — para deslegitimar decisões judiciais, atacar ministros do STF e alimentar a narrativa de que o país vive sob um regime opressor. Ignoram, é claro, os anos em que jornalistas foram agredidos, servidores técnicos demitidos por discordar do governo, e redes de desinformação operaram com apoio de figuras próximas ao Planalto.

O curioso é que aqueles que hoje acusam o Judiciário de censura são os mesmos que, no poder, atacaram a liberdade de imprensa, desqualificaram adversários e fizeram da mentira uma ferramenta de governo.

Trump e Bolsonaro compartilham mais do que estilo: compartilham uma estratégia. Usam a retórica da liberdade para defender a própria impunidade. Transformam o contraditório em inimigo e qualquer tentativa de responsabilização jurídica em “perseguição política”. E, quando confrontados com os limites da lei, fogem.

Trocam o discurso de valentia por vitimismo. Mudam de país, acionam advogados, buscam palco no exterior — e seguem promovendo desinformação à distância, como se fossem exilados políticos. Mas a verdade é mais simples e mais dura: o verdadeiro exílio desses líderes não é geográfico — é moral.

Liberdade de expressão não é licença para sabotar a democracia, nem salvo-conduto para propagar o ódio, a mentira e a desinformação. Quando a Justiça age dentro dos marcos da Constituição, não há censura — há defesa da ordem democrática.

Não se engane: quem foge do país para escapar da Justiça e continua a semear o caos de longe não é mártir — é covarde. E quem impõe sanções econômicas para proteger aliados autoritários não está defendendo a liberdade: está chantageando um país por cumprir sua Constituição.

A democracia exige liberdade, sim. Mas também exige responsabilidade. E é justamente essa parte que os “libertários” autoritários preferem ignorar.

 

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