PENSAMENTO PLURAL O mutirão que o Brasil deve a si mesmo, por Palmarí de Lucena

O escritor Palmarí de Lucena observa que, apesar de ser um País de imensa riqueza natural, cultural e humano, o Brasil “insiste em figurar entre os campeões mundiais da desigualdade”. E ainda: ” Já fomos capazes de reduzir a fome com políticas ousadas, de enfrentar epidemias com solidariedade e de transformar setores inteiros por meio de pactos coletivos. O que falta agora é compreender que a desigualdade não é um dado natural, mas uma escolha política e social.” Confira íntegra…

O Brasil convive com uma contradição dolorosa. É um país de imensa riqueza natural, cultural e humana, mas que insiste em figurar entre os campeões mundiais da desigualdade. Nossas estatísticas são mais do que números: são espelhos de um cotidiano em que milhões vivem à margem, privados do direito elementar de sonhar com dignidade.

Oded Grajew, membro do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, nos lembra que as desigualdades não se limitam à renda. Estendem-se ao patrimônio, ao gênero, à cor da pele, às oportunidades de estudo e trabalho, às condições ambientais e à segurança de uma vida sem medo. São tantas e tão profundas que se complementam, criando um círculo vicioso de exclusão. Não é por acaso que a ONU e outros organismos internacionais nos colocam, ano após ano, nas piores posições.

A proposta de um Programa de Aceleração de Combate às Desigualdades (PACD) é mais que uma política pública: é a convocação de um mutirão nacional. Não se trata de um plano tecnocrático, redigido em gabinetes e perdido em gavetas. Trata-se de uma mobilização ampla, que envolveria governo, empresas, sindicatos, universidades, igrejas, movimentos sociais e cidadãos comuns. Um esforço conjunto, sustentado por metas claras e indicadores transparentes, para que o país possa, enfim, virar a página da injustiça estrutural.

A história mostra que isso não é impossível. Já fomos capazes de reduzir a fome com políticas ousadas, de enfrentar epidemias com solidariedade e de transformar setores inteiros por meio de pactos coletivos. O que falta agora é compreender que a desigualdade não é um dado natural, mas uma escolha política e social. É fruto da omissão, da indiferença e, muitas vezes, da conveniência de poucos.

O desafio maior, contudo, não está apenas na execução técnica do PACD. Está na disposição de enfrentar resistências. Afinal, reduzir desigualdades significa tocar em privilégios. Significa redistribuir oportunidades, abrir espaços, democratizar recursos e limitar abusos. Exige coragem para dizer que não há futuro possível para um país que convive com escolas precárias ao lado de condomínios de luxo, com hospitais lotados diante de clínicas exclusivas, com a miséria batendo à porta enquanto poucos acumulam fortunas.

É por isso que a palavra “mutirão” soa tão adequada. Ela carrega a ideia de esforço coletivo, de vizinhos que se juntam para erguer uma casa, abrir uma estrada, limpar um terreno. Mutirão é a tradução popular da solidariedade em ato. E é exatamente dessa energia que o Brasil precisa: um pacto cívico em que cada setor se comprometa a entregar mais equidade, mais justiça, mais humanidade.

Não se trata de utopia. Utopia é acreditar que podemos continuar como estamos e, mesmo assim, alcançar desenvolvimento sustentável. Utopia é imaginar que desigualdades extremas não corroem a democracia, não alimentam a violência, não destroem a esperança. Realismo, ao contrário, é compreender que sem justiça social não há progresso duradouro.

Se quisermos, de fato, deixar de ocupar a vergonhosa posição de campeões da desigualdade, será preciso coragem para começar esse mutirão. O PACD é um nome possível para essa jornada. Mas, mais do que um programa, é uma escolha de país: aceitar a repetição de um destino excludente ou ousar escrever uma história de inclusão e dignidade.

Aos que acham a tarefa grande demais, basta lembrar que nenhuma transformação coletiva nasce do conforto. O futuro do Brasil, se quiser ser digno de sua gente, terá de ser construído com a obstinação de quem já não tolera a injustiça como paisagem.

 

Os textos publicados nesta seção “Pensamento Plural” são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Blog.