Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena, pontua como “a morte da esquerda tem sido decretada inúmeras vezes, quase sempre por conveniência política. “O rótulo “identitária” serve como caricatura, assim como culpar políticas progressistas pela violência ignora desigualdade e armas em excesso, então reduzir direitos civis a símbolos é negar dignidade humana”, acrescenta. Para o autor, “a esquerda errou, mas não morreu: enquanto persistirem exclusão e concentração de riqueza, haverá espaço para sua renovação”. Confira íntegra…
De tempos em tempos, ecoa a narrativa de que a esquerda terminou. Em sua versão mais recente, esse obituário ganhou até adjetivo dramático: “prematura”. Mas nada soa mais raso e conveniente do que decretar a morte de um campo político complexo a partir de tropeços eleitorais ou crises de credibilidade.
Essa retórica se sustenta em estereótipos fáceis. Fala-se em “esquerda identitária” como se fosse uma categoria homogênea, quando, na verdade, trata-se de um rótulo vago, usado para colar em governos muito diferentes, espalhados pela América Latina, pela Europa e pelos Estados Unidos. É tão impreciso quanto chamar qualquer governo conservador de “extrema direita autoritária”: não é ciência política, é caricatura.
Atribuir aumento da criminalidade a políticas progressistas é outro erro recorrente. Violência não nasce de debates sobre diversidade ou inclusão, mas de desigualdade social, ausência do Estado, crime organizado e, muitas vezes, da proliferação de armas — bandeira típica da direita. Ignorar esses fatores é preferir reforçar preconceitos em vez de enfrentar a realidade.
Também é enganosa a comparação entre democratas e republicanos nos Estados Unidos, repetida à exaustão como exemplo de contraste ideológico. Apresentar estados democratas como sinônimo de impostos altos e caos social é esquecer que a Califórnia é motor da inovação global e Nova York, centro financeiro do planeta. Enquanto isso, muitos estados republicanos convivem com pobreza estrutural, déficits em saúde e educação precária. Trata-se de uma leitura seletiva, moldada para manipular, não para explicar.
O mesmo vale para a acusação de que políticas sociais seriam “soluções rápidas”. A história mostra o contrário: dos países nórdicos a programas de transferência de renda na América Latina, há inúmeros exemplos em que inclusão social e crescimento econômico caminharam juntos. Negar isso não é ignorância, é escolha deliberada.
Mais grave ainda é reduzir direitos civis e diversidade à condição de “debates simbólicos”. Não há nada de simbólico em garantir que pessoas não sejam discriminadas por gênero, cor da pele ou orientação sexual. Trata-se de um pilar civilizatório. Desdenhar dessas conquistas equivale a menosprezar a dignidade humana.
A esquerda, evidentemente, não está livre de falhas. Muitas vezes, ela própria apressou o próprio funeral, dividindo-se em facções, afastando-se de pautas econômicas concretas e dialogando mal com novas gerações. Mas falha não é sinônimo de morte — é oportunidade de renovação.
Enquanto houver desigualdade, concentração de riqueza e exclusão social, haverá espaço para a esquerda. Anunciar sua morte prematura é menos uma constatação do presente do que a projeção do desejo de seus adversários. A história já desmentiu epitáfios apressados antes e, certamente, voltará a fazê-lo.
A esquerda pode estar em crise, mas morte prematura é apenas fantasia — um obituário mal escrito, redigido para manchetes de impacto, sem compromisso com a verdade do tempo.
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