PENSAMENTO PLURAL Israel e Palestina: entre o impasse e as possibilidades, por Palmarí de Lucena

A solução de dois Estados, outrora horizonte diplomático, encontra-se hoje sufocada pela expansão de assentamentos, pelo bloqueio e pela devastação de Gaza, diz o escritor Palmarí de Lucena. Apesar da recusa de governos de direita em Israel, a ideia resiste no reconhecimento internacional da Palestina. “A paz exige congelar conquistas territoriais, partilhar Jerusalém, criar garantias de segurança e reconstruir Gaza. Sem isso, a ocupação se tornará rotina e o destino comum será apenas violência”, pontua. Confira íntegra…

A ideia de dois Estados, um israelense e outro palestino, foi durante décadas o horizonte diplomático para encerrar um conflito que atravessa gerações. Ela nasceu no espírito da partilha de 1947, ganhou fôlego em Oslo e permanece como referência em discursos oficiais de quase todos os organismos internacionais. No entanto, nunca esteve tão distante da realidade quanto hoje.

Vozes do passado já mostravam a ambiguidade do tema. Golda Meir negou a existência de um povo palestino, postura que bloqueava a lógica da partilha. Amos Oz, escritor israelense, insistiu na simplicidade da metáfora: “duas famílias disputam a mesma casa”, e a única saída é que cada uma tenha o seu espaço. Jimmy Carter denunciou a expansão de assentamentos como o maior entrave e defendeu que Washington reconhecesse o Estado palestino. Shimon Peres evoluiu de hesitações a uma convicção: sem dois Estados, haveria tragédia para todos. Yitzhak Rabin, ainda que cauteloso, arriscou-se na via da negociação até ser silenciado por um extremista.

O presente, porém, mostra outra face. Governos de direita em Israel, sobretudo sob Benjamin Netanyahu, declararam não ver espaço para um Estado palestino. Em vez de negociar, consolidam a ocupação territorial por meio de novos assentamentos e projetos que fragmentam a Cisjordânia. O discurso da segurança funciona como justificativa, mas na prática ergue muros contra qualquer horizonte de partilha. Ao mesmo tempo, Gaza se tornou o símbolo mais brutal da ausência de solução: destruída por sucessivas ofensivas, submetida a bloqueios e reduções drásticas de condições de vida, transformou-se em território devastado, onde a sobrevivência diária substitui qualquer expectativa de futuro político.

E, ainda assim, a ideia não desaparece. A cada voto em organismos internacionais, a cada país europeu, asiático ou latino-americano que reconhece a Palestina, reforça-se a legitimidade política e simbólica de um futuro Estado. Esses gestos não resolvem o conflito, mas lembram que a ocupação e a destruição não podem ser naturalizadas como normalidade. Trata-se de um problema de direito internacional que transcende fronteiras locais.

Se o caminho atual parece bloqueado, algumas avenidas ainda podem reabrir a estrada da paz. Congelar a expansão de assentamentos é condição básica para qualquer acordo, pois sem frear a geografia não há mapa viável. Mecanismos de segurança compartilhada, com eventual monitoramento internacional, poderiam atender ao temor israelense de vulnerabilidade e ao medo palestino de perpetuação da ocupação. Jerusalém exigiria uma solução partilhada, talvez sob regime internacional que garanta acesso e respeito aos lugares sagrados. Há também quem defenda modelos híbridos, como uma confederação de dois Estados independentes, mas interdependentes, reconhecendo a realidade de proximidade geográfica e econômica. Por fim, a pressão de países árabes moderados, em diálogo com grandes potências, pode ser decisiva na retomada de negociações.

Nenhuma dessas soluções é simples, mas todas partem de um fato incontornável: dois povos continuarão a existir e a disputar a mesma terra. Ignorar isso não dissolve o conflito; apenas perpetua a violência e a corrosão mútua. O abandono da partilha por parte da política israelense dominante não elimina sua necessidade. Pelo contrário, amplia o risco de transformar a ocupação em rotina, e a rotina em destino. Reconhecer a Palestina, congelar conquistas territoriais e reconstruir Gaza não são concessões generosas: são os passos mínimos para devolver ao Oriente Médio a possibilidade de um futuro que não seja feito apenas de muros, escombros e desconfiança.

 

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