PENSAMENTO PLURAL A filosofia é usada para justificar uma farsa, por Emir Candeia

Em seu comentário, o professor Emir Candeia cita filósofos como Montesquieu, Rousseau e Tocqueville, pensadores que se detiveram, em maior ou menor grau, sobre democracia e divisão de poderes numa sociedade democrática. “Montesquieu, Rousseau e Tocqueville não podem ser usados como muletas para justificar perseguições políticas. Lidos corretamente, eles reforçam o contrário: Montesquieu denunciaria a concentração de poderes no STF”, diz. Confira íntegra…

Nos últimos dias circulou um artigo intitulado “a democracia posta à prova”, que tenta dar um ar de legitimidade filosófica ao julgamento de Bolsonaro, invocando Montesquieu, Rousseau e Tocqueville como se esses pensadores servissem de aval para a atuação do STF. O problema é que, ao se examinar mais de perto, percebe-se que o texto não passa de uma tentativa de justificar uma montagem política já condenada de antemão.

Montesquieu e a separação dos poderes
O artigo cita Montesquieu para sustentar a ideia de que a justiça precisa se impor em nome da democracia. Mas esquece o essencial: Montesquieu defendia justamente a separação de poderes para evitar tiranias.
Quando o STF concentra funções de legislador, acusador e juiz, rompe-se o equilíbrio que Montesquieu julgava fundamental. O que o artigo chama de “defesa da democracia” é, na verdade, o oposto: um abuso que mina o Estado de Direito.

Rousseau e a vontade geral
O nome de Rousseau também é evocado, como se o julgamento fosse a expressão da “vontade geral”. Mais uma vez, incoerência. Para Rousseau, a vontade geral é a do povo soberano, e não a vontade de uma facção. Quando uma casta togada manipula as instituições para eliminar um adversário político que representa milhões de votos, não se trata de soberania popular, mas de usurpação. Rousseau não legitimaria essa manobra — ele a denunciaria como traição ao povo.

Tocqueville e a degeneração da democracia
Tocqueville é convocado como autoridade que “alertava contra aventuras autoritárias”. Mas Tocqueville advertia sobre outro risco: o de elites burocráticas e jurídicas se converterem em tiranas sob o pretexto de proteger a democracia. Quando um julgamento já nasce condenado pela opinião dos próprios juízes antes mesmo de ser realizado, não há justiça — há encenação. Tocqueville reconheceria nisso um caso clássico de degeneração democrática: o uso da aparência de legalidade para perseguir opositores.

O julgamento como farsa
A grande incoerência do artigo “a democracia posta à prova” está em usar pensadores que denunciavam abusos de poder para legitimar um processo que é, em si, um abuso. O julgamento contra Bolsonaro não se apresenta como busca de verdade, mas como vingança pessoal e trama política. Todos já sabem a sentença antes mesmo da defesa ser ouvida. Não há julgamento; há espetáculo. E espetáculo travestido de justiça não é justiça — é farsesco.

Conclusão
Montesquieu, Rousseau e Tocqueville não podem ser usados como muletas para justificar perseguições políticas. Lidos corretamente, eles reforçam o contrário: Montesquieu denunciaria a concentração de poderes no STF. Rousseau apontaria a usurpação da soberania popular. Tocqueville reconheceria a degeneração de uma democracia que se diz livre, mas atua como tribunal de exceção.
A filosofia, quando manipulada, serve de maquiagem para a arbitrariedade. Mas quando lida com seriedade, desmonta a farsa e expõe a verdade: o que se anuncia como julgamento é apenas vingança com toga.

 

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