PENSAMENTO PLURAL Assim foi o homem, assim ficou sua obra, por Durval Leal

O cineasta Durval Leal, em mais um texto para o espaço “Pensamento plural”, faz referências ao também cineasta Sílvio Tendler, um cineasta, documentarista, historiador e professor brasileiro, que faleceu nesta sexta-feira. Para Durval, Sílvio era “um homem de conhecimento vasto, um cineasta preciso”. Sílvio foi o diretor de três das maiores bilheterias do gênero no país: O mundo mágico dos Trapalhões (1981), Jango (1984) e Os anos JK – uma trajetória política (1980). Confira íntegra de comentário…

“Durvalzinho… passarinho voando e menino correndo em um filme é para quem não tem nada a dizer!” Com essa frase eu comecei a entender o como sempre Silvio Tendler era afiado e certeiro nos seus cortes. Ele era cineasta, judeu, rico, inteligente, poliglota e extremamente refinado, glutão e grosseiro.

Um homem de conhecimento vasto, um cineasta preciso. O tempo para ele era o narrador de história, os personagens cresciam na sua mão. Silvio já nasceu rico, e riqueza maior veio com a compreensão do que é dividir: cenas, sequências e planos. É fazer cinema de uma forma não roliudiana, mas fazer o que ninguém queria fazer: o documentário.

Nos seus documentários revive e transforma conflito em alegria, catástrofe em verdade, personagem em santos, heróis e carniceiros. Sílvio, além de cineasta, era um homem de Cultura, e assim Cristóvão Buarque o convidou para ser secretário de Cultura e Esporte de Brasília na década de 90. Foi ali que tive o prazer de conhecê-lo e de ser convidado para ser seu assistente de direção na produção do documentário Conceição das Crioulas: Vestígios de Quilombo, um filme realizado pela TV Viva e o Centro Luiz Freire, em comemoração ao s 300 anos de Zumbi.

Sílvio era mágico, mágico em traçar perfis, em traçar a linha do tempo, em fazer cortes precisos e ver o instante em que a pausa e o silêncio se tornam mais do que uma oração. Era um ponto de reflexão, um ponto para reconsiderar consigo mesmo e pensar criticamente no que se via na tela.

Viveu olhando para o horizonte da Baía da Guanabara, para a Avenida Atlântica, e dali abria o universo. Mesmo o jovem, rico e cosmopolita, também se fez andarilho dos sertões e favelas, ele atravessou buracos, entrou em barracos, partilhou com muitos amigos e colecionou também inimigos. Construiu uma filmografia de prêmios e de obras que permanecem, como retratos de um país em movimento, cicatrizes de uma memória coletiva que ele ajudava a costurar.

Assim foi o homem, assim ficou sua obra. Um cineasta que não temeu o peso das histórias, que soube transformar a vida de muitos em filme e o filme dar vida a personagens e historia. Suas imagens continuam a nos atravessar como quem abre uma fresta no tempo, Utopias e Barbárie. E ao lembrar dele, é como se o projetor quebrasse a fita mais uma vez, iluminando o rosto de todos nós admirados e interrogando o que estava diante do nossos olhos.Inté… Corta!!! Sílvio en_Tendle.

 

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