PENSAMENTO PLURAL Mito da igualdade perante a lei, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena reflete como a maioria dos brasileiros vive um cotidiano jurídico árduo: o trabalhador que comete infração menor logo sente a mão pesada da punição, sem defesa qualificada. Já os poderosos prolongam processos por décadas e transformam a desigualdade em escudo. “Para o cidadão comum, “perseguição” não é argumento retórico, mas a amarga percepção de estar desamparado diante de um sistema lento, oneroso e profundamente desigual”, acrescenta. Confira íntegra…

A frase “a Justiça deve ser igual para todos” tornou-se um refrão recorrente no discurso político nacional. Muitos a proclamam em palanques ou entrevistas, não como princípio de fé democrática, mas como arma de retórica, lançada para encobrir erros ou justificar derrotas. A palavra perseguição judicial aparece, então, não como constatação de um abuso concreto, mas como a tentativa de inverter papéis: transformar o acusado em vítima e a lei em vilã.

Esse expediente, repetido com insistência, produz efeitos nocivos. Ao acusar o sistema de parcialidade sem recorrer ao contraditório, certos atores políticos buscam desviar a atenção das denúncias que recaem sobre eles. Paradoxalmente, muitos que hoje se dizem alvos de um suposto complô foram, em passado recente, os mesmos que aplaudiram ou se beneficiaram de práticas associadas ao lawfare, quando a Justiça era usada para enfraquecer adversários políticos.

A contradição se aprofunda quando, diante de acusações de atentar contra o Estado Democrático de Direito ou de dilapidar o patrimônio público, alguns tentam se esconder atrás de uma firewall de imunidades e privilégios. No caso de parlamentares, a própria atividade legislativa por vezes se converte em muralha protetora, erguida não para defender o povo, mas para blindar os interesses de poucos, inclusive diante de crimes graves que lesam a coletividade.

Enquanto isso, a imensa maioria dos brasileiros enfrenta um cotidiano jurídico árduo. O trabalhador que comete uma infração menor pode conhecer rapidamente a face dura da punição, sem acesso a advogados renomados nem a estruturas de proteção política. Já os que têm poder e influência estendem processos por décadas, recorrem a instâncias sem fim e transformam a desigualdade estrutural da Justiça em uma vantagem pessoal. Para o cidadão comum, “perseguição” não é um escudo de conveniência, mas a sensação de estar desamparado diante de um sistema lento, caro e desigual.

É nesse contraste que a máxima latina dura lex, sed lex — a lei é dura, mas é a lei — recupera sua atualidade. Ela lembra que a norma não pode ser dobrada conforme o prestígio ou a conta bancária do acusado. A dureza da lei não está em ser seletiva, mas em ser imparcial, atingindo igualmente ricos e pobres, governantes e governados.

A democracia, para se manter viva, não pode ser refém nem da retórica do vitimismo nem da manipulação do lawfare. O desafio é aplicar a lei com rigor e equilíbrio, garantindo direitos a todos, mas também exigindo responsabilidades de todos. Só assim poderemos transformar a promessa de “Justiça para todos” em realidade, e não em mero slogan repetido à sombra das conveniências políticas.

 

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