O escritor Palmarí de Lucena observa, em seu comentario, como “o assassinato de Charlie Kirk expõe a contradição da retórica armamentista: quem defendia a proliferação de armas foi silenciado por elas”. Sua morte simboliza a falência da democracia quando o debate cede lugar ao gatilho. Nos EUA, a Segunda Emenda virou dogma intocável; no Brasil, a expansão de arsenais trouxe mais violência política. “A liberdade não sobrevive quando o medo é imposto pelo estampido de uma bala”, pontua. Confira íntegra…
A morte de Charlie Kirk, ativista conservador e aliado de Donald Trump, não é apenas a tragédia de um indivíduo. É a prova viva do beco sem saída das sociedades que flertam com a proliferação de armas como se fossem sinônimo de liberdade. Kirk, que defendia abertamente o armamento civil, tombou diante de milhares de pessoas, silenciado pelo mesmo objeto de culto que promovia: a arma de fogo.
Nos Estados Unidos, cada massacre deveria soar como alarme de urgência nacional. Crianças caem em escolas, jovens tombam em universidades, ativistas e políticos são alvejados em praças públicas. Mas nada abala o dogma da Segunda Emenda, blindado por décadas de lobby da indústria bélica e pela covardia de congressistas que preferem financiar campanhas com dinheiro da NRA a encarar a realidade. O país que se autoproclama líder do “mundo livre” é também o que naturalizou a morte pelo gatilho como preço da democracia.
Kirk não era um democrata radical, tampouco um militante progressista: era um conservador combativo, crítico de minorias, opositor de políticas de inclusão racial e defensor de teses excludentes sobre gênero e intelecto. Ainda assim, foi alçado por parte da direita brasileira à condição de mártir da liberdade. Ironia amarga: a liberdade que celebravam em sua figura foi suprimida por uma bala, disparada da mesma arma que ele dizia ser guardiã da vida em sociedade.
No Brasil, os paralelos são inevitáveis. Nos últimos anos, assistimos ao avanço da política armamentista sob a falácia do “cidadão de bem”. O resultado foi o aumento da circulação de armas, a multiplicação de clubes de tiro, o fortalecimento de milícias e o crescimento da violência política. Eleições recentes registraram ameaças, agressões e assassinatos motivados por ideologia — um cenário em que a divergência deixou de ser combatida com argumentos e passou a ser disputada com pólvora.
O tiro que matou Kirk não foi apenas disparado por um atirador solitário em Utah. Ele ecoa de cada escola transformada em campo de guerra, de cada debate público sufocado pelo medo, de cada urna eleitoral ameaçada pela violência. É o som de uma democracia acuada pela arma que deveria ser exceção, mas virou regra.
Não há liberdade onde impera o medo. Não há democracia quando o debate é substituído pelo estampido do fuzil. A verdadeira coragem política não está em defender a multiplicação de arsenais privados, mas em restringi-los, enfrentando o poder econômico e cultural que sustenta esse culto à morte.
Enquanto o mito da arma continuar travestido de direito inalienável, continuaremos enterrando líderes, jovens, crianças e futuros. O caso Kirk é apenas o capítulo mais recente de uma história escrita com sangue. A pergunta que permanece é: quantos corpos ainda serão necessários até que a sociedade perceba que o gatilho nunca foi e nunca será o guardião da liberdade?
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