“O possível encontro entre Lula e Donald Trump transcende a disputa tarifária e revela um embate entre o pragmatismo econômico e o idealismo diplomático”, pontua o escritor Palmarí de Lucena em seu comentário. Mais que acordos comerciais, está em jogo a capacidade de transformar divergências em cooperação. Do agronegócio à transição verde, da Amazônia à inovação digital, há espaço para avanços. Se prevalecer o diálogo, o gesto poderá valer mais que qualquer tratado. Confira íntegra...
Há encontros que ultrapassam a política e se tornam espelhos de civilizações. Quando Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump se encaram — ainda que através de uma tela — o que se reflete não são apenas dois líderes, mas duas maneiras de entender o poder: a diplomacia que busca pontes e o comércio que ergue muros.
O cenário é tenso. Trump, em sua lógica de força, impôs uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, acenando a seu eleitorado “America First”. Lula respondeu com paciência estratégica: preferiu o diálogo à retaliação, consciente de que o confronto imediato costuma custar caro. Assim, o possível encontro entre ambos transcende as tarifas; revela um embate entre o pragmatismo agressivo e o idealismo negociador, entre o empresário que mede o mundo em lucros e o estadista que o lê como construção coletiva.
Um resultado positivo, mesmo que modesto, já seria simbólico: um aperto de mãos, uma promessa de revisão tarifária, um comunicado conjunto. Na diplomacia, o gesto precede o fato. Se o diálogo servir para reduzir a retórica e abrir caminhos sobre comércio, clima e investimentos, já terá cumprido papel civilizatório.
O desafio, porém, é delicado. Trump dificilmente recuará sem ganhos visíveis. Lula, por sua vez, não pode parecer submisso diante de uma opinião pública que o elegeu para defender a soberania nacional. Encontrar o ponto entre orgulho e pragmatismo será o verdadeiro teste da maturidade diplomática brasileira. O país não precisa de bravatas nem de reverências — precisa de lucidez.
Mas há espaços onde a divergência pode gerar progresso. No agronegócio, Brasil e Estados Unidos dividem a liderança mundial em soja, carne e etanol. Um pacto de complementaridade — e não de competição — abriria novas rotas comerciais e tecnológicas. A cooperação entre Embrapa e USDA poderia fortalecer cultivos resistentes ao clima e modernizar cadeias produtivas.
Na energia e transição verde, há terreno fértil. O Brasil oferece sol e vento; os EUA, capital e tecnologia. Parcerias em hidrogênio verde, captura de carbono e eficiência industrial trariam benefícios mútuos e mostrariam que crescimento e sustentabilidade podem caminhar juntos.
A inovação digital também é um eixo natural. A criação de zonas tecnológicas com capital americano e intercâmbio técnico brasileiro fortaleceria a economia digital. Cooperação em cibersegurança e inteligência artificial serviria aos dois países, num tempo em que a informação é o novo território de disputa global.
Nenhum tema, contudo, tem valor simbólico maior que o meio ambiente. Um acordo para integrar os EUA ao Fundo Amazônia, voltado à bioeconomia e à ciência tropical, seria um gesto político de grande alcance. Parcerias entre NASA e INPE, no monitoramento via satélite, traduziriam em ações concretas a confiança mútua.
Na educação e ciência, as ideologias cedem ao interesse comum. Um novo programa de intercâmbio acadêmico e tecnológico, com foco em saúde, biotecnologia e inovação, formaria gerações preparadas para os desafios do século XXI. Retomar iniciativas como o Ciência sem Fronteiras, agora com reciprocidade e foco em resultados, daria substância à cooperação.
Por fim, a diplomacia regional pode reunir Washington e Brasília em torno de um objetivo comum: estabilidade democrática. A América Latina carece de coordenação frente às crises humanitárias e às redes do crime organizado. Uma agenda conjunta de segurança e observação eleitoral reforçaria o papel das duas maiores democracias do continente na defesa do Estado de Direito.
Essas frentes — do campo à nuvem digital, da Amazônia à ciência — revelam que a cooperação não é utopia, mas estratégia. Trump poderia apresentar ganhos econômicos a seu eleitorado; Lula, avanços ambientais e tecnológicos aos brasileiros. Ambos se beneficiariam da imagem de estadistas, e o continente, de uma trégua no ruído da polarização.
Os grandes avanços da história nascem do improvável. A diplomacia não elimina diferenças — torna-as produtivas. Se Lula e Trump conseguirem, em meio ao ruído de seus mundos, produzir um gesto de cooperação, ainda que pequeno, o futuro poderá olhar para esse encontro não como um duelo de vaidades, mas como um raro instante de lucidez em tempos de intolerância.
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