PENSAMENTO PLURAL A campanha anti-Brasil e o preço da lealdade invertida, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena postula que, “em nome de uma suposta “estratégia política”, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo vêm protagonizando uma campanha anti-Brasil”. E ainda: “Sob o disfarce do patriotismo, defendem sanções e tarifas estrangeiras que prejudicam a economia e a soberania nacional. Agindo como correias de transmissão de agendas externas, confundem liberdade com submissão e oposição com sabotagem — numa lealdade invertida que transforma o patriotismo em traição elegante”. Confira íntegra...

Em tempos de diplomacia turva e patriotismo de ocasião, poucos episódios expõem tanto a inversão de valores quanto a atuação de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo no exterior. Sob o pretexto de defender a liberdade, ambos têm promovido — direta ou indiretamente — ações que resultam em prejuízo à imagem e à economia do Brasil. É o que se convencionou chamar, com razão crescente, de campanha anti-Brasil.

Nos últimos meses, o país tem sido surpreendido por declarações e movimentos que ultrapassam o debate político doméstico. Paulo Figueiredo, radicado nos Estados Unidos, afirmou publicamente que as sanções impostas por Washington ao Brasil deveriam continuar insinuando que o governo brasileiro mereceria ser “cobrado” por suas políticas. A frase seria apenas mais uma bravata, não fosse o fato de ele manter interlocução com Eduardo Bolsonaro, que, segundo reportagens internacionais, teria tentado influenciar setores do governo Trump a adotar tarifas punitivas contra produtos brasileiros.

O gesto, que em outros tempos seria interpretado como traição à Pátria, é tratado por seus defensores como “estratégia política”. Em nome de um alinhamento ideológico com a extrema direita americana, esses atores parecem dispostos a sacrificar interesses nacionais — da agricultura à indústria — em troca de dividendos simbólicos ou financeiros. Não por acaso, investigações em curso nos Estados Unidos apuram a participação de Figueiredo em operações ligadas ao chamado “tarifaço” e a suspeitas de recebimento de recursos de origem duvidosa.

A ironia é que essa narrativa se alimenta do discurso patriótico que eles próprios ajudaram a difundir. De verde e amarelo, proclamam-se guardiões do Brasil, mas pregam medidas que sufocam a economia nacional. Incitam sanções estrangeiras e celebram a retaliação de governos que, sob outro ponto de vista, estariam interferindo na soberania de um país independente. É a lógica da lealdade invertida: quanto pior para o Brasil, melhor para o projeto político que representam.

Há, no entanto, um elemento mais preocupante. Ao mesmo tempo em que fomentam pressões externas, esses atores atacam sistematicamente as instituições internas — especialmente o Supremo Tribunal Federal e seus ministros. Criam, assim, um duplo cerco: o do descrédito internacional e o da desestabilização institucional. O resultado é um país acuado por dentro e por fora, tendo de se defender de seus próprios cidadãos que falam alto em Washington e conspiram em podcasts.

A campanha anti-Brasil é, no fundo, um sintoma de um mal maior: a incapacidade de uma parte da elite política e midiática de compreender o sentido da soberania nacional. Confundem oposição com sabotagem, crítica com destruição, liberdade de expressão com irresponsabilidade. Quando um parlamentar brasileiro solicita, mesmo indiretamente, a aplicação de sanções ao seu próprio país, não está exercendo diplomacia alternativa — está minando os alicerces de sua própria legitimidade.

Os Estados Unidos, por sua vez, veem nesses interlocutores uma oportunidade: os usam como peças menores de um tabuleiro geopolítico, capazes de amplificar narrativas convenientes e provocar ruídos em regiões onde antes predominava estabilidade. Não é coincidência que os mesmos que exaltam Washington demonizem o Itamaraty, o STF e a imprensa livre — instituições que, com todos os seus defeitos, ainda sustentam o equilíbrio democrático do país.

O Brasil já enfrentou pressões externas de todas as naturezas — econômicas, militares e culturais. Sobreviveu a todas porque soube, em momentos decisivos, distinguir o interesse nacional da submissão. A diferença é que, agora, a ameaça vem travestida de patriotismo. A bandeira é a mesma, mas o propósito é outro: fragilizar o país em nome de uma cruzada ideológica importada.

Nenhum país se fortalece quando seus próprios representantes agem como correias de transmissão de agendas estrangeiras. A verdadeira defesa da liberdade não se faz ajoelhando-se diante de potências, mas levantando a cabeça para proteger a autonomia de um povo. No dia em que isso voltar a ser compreendido, talvez o Brasil reencontre sua voz — e os que hoje o atacam em nome da Pátria perceberão que o patriotismo, quando mal-entendido, é a forma mais elegante de traição.

 

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