PENSAMENTO PLURAL A nova corrida do subsolo: EUA, China e o papel estratégico do Brasil, por Palmarí de Lucena

A corrida global por metais estratégicos reacende a disputa entre Estados Unidos e China, enquanto o Brasil emerge como peça-chave nesse tabuleiro. Para o escritor Palmarí de Lucena, “Washington busca reduzir a dependência de Pequim e usa tarifas como instrumento de pressão para obter acesso às reservas brasileiras e o desafio é equilibrar cooperação e soberania, evitando que o país repita acordos assimétricos como o da Ucrânia, que comprometeram sua autonomia econômica”. Confira íntegra…

Nos bastidores da geopolítica contemporânea, uma nova corrida silenciosa substitui as antigas disputas por petróleo e gás. Trata-se da busca por metais estratégicos e terras raras, essenciais à fabricação de semicondutores, veículos elétricos, turbinas eólicas, baterias de lítio e equipamentos militares de alta precisão. A diferença, agora, é que o combustível dessa disputa é invisível ao olho comum, mas decisivo para o futuro tecnológico do planeta.

A China domina mais de 80% da produção global de terras raras, desde a extração até o refino. Essa supremacia confere a Pequim um poder de dissuasão inédito: controlar, a partir de minas e laboratórios, o ritmo do progresso ocidental. Os Estados Unidos, que durante décadas negligenciaram esse setor, perceberam tarde o alcance dessa dependência. O governo americano, através de programas do Departamento de Energia e da Parceria para Segurança Mineral (Minerals Security Partnership), agora mobiliza recursos e diplomacia para diversificar fornecedores e “quebrar o monopólio chinês”.

É nesse cenário que o Brasil surge como peça estratégica. Detentor de uma das maiores reservas mundiais de terras raras — espalhadas pelo Maranhão, Goiás, Minas Gerais e Amazonas —, o país pode se tornar o elo decisivo de uma cadeia alternativa de suprimento. Mas há um dilema embutido nessa oportunidade: ser protagonista ou apenas fornecedor.

Os Estados Unidos têm oferecido investimentos, transferência tecnológica e acordos de cooperação, mas sempre vinculados a compromissos estratégicos. Querem não apenas comprar o minério, mas assegurar influência sobre o processo de extração e sobre os fluxos de exportação. O desafio, para o Brasil, é não repetir o papel histórico de “celeiro do mundo” — desta vez, não de grãos, mas de minerais. É necessário garantir agregação de valor local, exigir refino e beneficiamento no território nacional, e proteger o meio ambiente e as comunidades afetadas pela mineração intensiva.

Nas conversas diplomáticas mais recentes, há sinais de que o interesse americano por metais estratégicos pode se entrelaçar com outro tema sensível: o das tarifas sobre produtos brasileiros. O tarifaço imposto aos setores de aço e alumínio — sob o argumento de segurança nacional — afetou diretamente a competitividade brasileira. Nesse contexto, a disposição de Washington em revisar tarifas ou abrir exceções específicas pode estar condicionada à cooperação do Brasil em cadeias de suprimento de terras raras e minerais críticos. Ou seja, o que parece uma negociação comercial pode, na verdade, esconder um capítulo de geopolítica de recursos, em que minério e diplomacia se confundem.

O exemplo da Ucrânia serve de alerta. Antes da guerra, acordos econômicos e de segurança com potências ocidentais prometeram prosperidade e proteção, mas acabaram por restringir sua autonomia industrial e agrícola, tornando o país dependente de capitais externos e vulnerável a decisões estratégicas alheias à sua soberania. O resultado foi um modelo econômico fragilizado e um território transformado em palco de disputa. O paralelo é incômodo, mas necessário: quando a pressão não se exerce pelas armas, manifesta-se pelas tarifas. Os Estados Unidos, agora, utilizam sua capacidade de sanção e de mercado como instrumento de persuasão econômica, buscando nos minerais estratégicos um novo tipo de domínio — mais sutil, porém igualmente eficaz.

A diplomacia brasileira, se agir com lucidez, pode transformar esse interesse externo em vantagem geoeconômica. O país pode usar seu potencial mineral como carta de negociação em temas de maior escala: transição energética, reindustrialização verde, cooperação científica e fortalecimento de cadeias regionais sustentáveis.
Mas, para isso, é preciso planejamento de Estado, não apenas de governo. A falta de uma política clara para minerais críticos pode levar o Brasil a repetir erros de ciclos anteriores, em que o ouro, o café e o petróleo enriqueceram poucos e deixaram legados de desigualdade e degradação.

A disputa por metais estratégicos é, em essência, uma disputa por futuro. O Brasil, que tanto fala em soberania, tem diante de si uma chance rara — e irônica: afirmar sua autonomia justamente por meio das “terras raras” que dormem sob seu solo. Se souber equilibrar interesse nacional com cooperação internacional, poderá converter o subsolo em plataforma de desenvolvimento — e não em mais uma fronteira de dependência.

 

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