
Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena reflete o quanto num mundo digital e apressado, a hermenêutica — arte de compreender o outro — torna-se essencial. Ela ensina a ouvir antes de reagir, a interpretar antes de julgar. Em meio à polarização e ao excesso de opiniões, é preciso resgatar o diálogo e a escuta em todos os níveis da sociedade. Compreender deixou de ser luxo intelectual: tornou-se necessário para convivermos com respeito e humanidade. Confira íntegra…
A palavra pode parecer difícil, mas a ideia é simples. Hermenêutica significa aprender a entender o que o outro quer dizer — e não apenas ouvir as palavras. É a arte de interpretar com cuidado, de tentar compreender o sentido antes de tirar conclusões. E isso, mais do que nunca, é algo que todos nós precisamos praticar no dia a dia.
Vivemos cercados por telas, mensagens rápidas e opiniões que se multiplicam a cada segundo. A internet aproximou as pessoas, mas também tornou as conversas mais rasas. As redes sociais transformaram o diálogo em disputa e a escuta em silêncio. Cada um fala muito, mas poucos realmente tentam entender o que o outro está dizendo. É aí que a hermenêutica se torna essencial: ela nos ensina a pensar antes de responder e escutar antes de julgar.
Essa prática deveria estar presente em todos os lugares — na escola, no trabalho, nas famílias e até nas conversas de bar. Porque interpretar bem não é coisa de juiz, professor ou filósofo. É um dever de quem quer conviver com respeito. Quantas brigas, mal-entendidos e injustiças poderiam ser evitadas se as pessoas se dessem ao trabalho de compreender o contexto antes de reagir?
A sociedade digital nos ensinou a clicar rápido, mas desaprendemos a refletir. A leitura virou um gesto apressado, e as opiniões se formam em segundos. Vivemos um tempo em que muitos comentam sem ler, acusam sem saber e compartilham sem pensar. A hermenêutica é o caminho para recuperar o bom senso perdido. É o convite para olhar o mundo com mais calma, entender as diferenças e perceber que por trás de cada frase há uma história, um sentimento, uma intenção.
Nos últimos anos, a polarização tomou conta das conversas públicas. Seja na política, na religião ou até no futebol, parece que tudo virou campo de batalha. A hermenêutica poderia ajudar a desfazer essa rigidez, lembrando que nem toda discordância é inimizade. Podemos pensar diferente sem nos odiar, e podemos discutir ideias sem desrespeitar pessoas. Entender o outro não significa concordar — significa reconhecer que a vida é feita de muitos pontos de vista.
Para que isso aconteça, a educação precisa assumir um papel decisivo. Desde cedo, as escolas deveriam ensinar as crianças a ler com atenção e ouvir com empatia. Em vez de apenas decorar respostas, os alunos deveriam aprender a fazer perguntas, interpretar sentidos e respeitar as diferentes formas de pensar. A hermenêutica, nesse sentido, não é um conteúdo de sala de aula, mas uma ferramenta para viver melhor em sociedade.
Nas empresas, o mesmo vale. Chefes que escutam de verdade, funcionários que sabem dialogar e colegas que interpretam com cuidado o que o outro quis dizer criam ambientes mais produtivos e humanos. Na vida pública, a política hermenêutica significaria governar ouvindo, legislar compreendendo e comunicar sem manipular.
E na vida comum, talvez o exercício mais difícil: aprender a entender o outro dentro de casa. Quantas vezes um gesto mal interpretado, uma palavra atravessada, um tom de voz mal lido cria distâncias entre pessoas que se amam? A hermenêutica do cotidiano é o antídoto para isso. É o ato de respirar fundo e tentar enxergar o que está por trás do que foi dito.
Em um mundo que valoriza a velocidade, compreender tornou-se um ato de coragem. A hermenêutica é a ponte que liga o eu ao outro, o ruído ao sentido, a informação ao entendimento. Se quisermos uma sociedade menos agressiva e mais justa, precisamos começar pelo básico: ouvir, pensar, interpretar e, só então, responder.
Mais do que uma teoria, a hermenêutica é um modo de viver. É a prática de olhar o outro com boa vontade, de buscar o que nos une antes de apontar o que nos separa. Numa época em que todos falam e poucos escutam, compreender virou um gesto revolucionário.
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