
O texto do escritor Palmarí de Lucena critica o chamado jornalismo de fachada, que privilegia o impacto sobre a apuração e transforma suspeitas em manchetes. Denuncia a pressa por repercussão, o uso de fontes duvidosas e a perda de rigor ético. Defende que o verdadeiro jornalismo exige dúvida, escuta e método, buscando sempre publicar o mais próximo da verdade possível — antídoto contra o sensacionalismo e a manipulação. Confira íntegra…
Jornalismo é publicar o mais próximo da verdade possível. Essa deveria ser a regra elementar de uma profissão fundada na ética da dúvida, não na pressa da convicção. No entanto, em tempos de manchetes instantâneas e certezas fabricadas, o ofício tem sido corroído pelo que se pode chamar de jornalismo de fachada — aquele que privilegia a aparência do rigor em detrimento da substância da verdade.
O jornalismo de fachada nasce do exibicionismo travestido de coragem. Publica primeiro, verifica depois — quando verifica. Vive do impacto, não da apuração; da narrativa, não do fato. Seu compromisso é com o espetáculo, não com o leitor. No altar da visibilidade, sacrifica a precisão e eleva a suspeita à condição de manchete.
O zelo e a pressa em publicar algo com repercussão imediata — sobretudo quando envolvem alegações de escândalos ou denúncias sem base documental — parecem ser os pratos preferidos do jornalismo ersatz, essa versão empobrecida do ofício que recorre à retórica do escândalo e à fragilidade da inverdade. A prudência, virtude essencial do repórter, é substituída pela pressa de gerar ruído, e a checagem transforma-se em obstáculo ao sensacionalismo.
Em contextos polarizados, muitos veículos e profissionais passam a reproduzir acusações de fontes anônimas ou não verificadas, de delações parciais ou de rumores de origem incerta. Assim, constroem mosaicos de versões contraditórias que, somadas, acabam por distorcer o debate público. O resultado é um ambiente em que a suspeita ganha mais espaço que o fato, e o contraditório se torna um campo de desconfiança mútua.
Em vez de reportar, interpreta-se. Em vez de investigar, repete-se. O repórter cede lugar ao comentarista, e o jornalismo deixa de mediar a realidade para se tornar curador de versões. O efeito é devastador: quanto mais se fala, menos se acredita. A informação transforma-se em ruído, e o público, desorientado, passa a duvidar até daquilo que é verdadeiro.
Blogs e colunas de opinião assumem o espaço do noticiário, muitas vezes sem o rigor que a prática jornalística exige. A dúvida, que deveria ser sinal de seriedade, é tratada como fraqueza. E a verdade, por sua vez, é moldada segundo a conveniência política, o humor das redes ou o interesse comercial do momento.
É preocupante observar profissionais que, sob o título de jornalistas, substituem o compromisso com os fatos pela busca de protagonismo. O microfone se converte em espelho, e não em janela. A notícia deixa de iluminar o mundo e passa a refletir apenas a imagem de quem a narra. O jornalismo que renuncia à checagem converte-se em propaganda; o que ignora o contexto, em desinformação.
O jornalismo de fachada não é apenas um equívoco técnico — é uma distorção ética. Ele mina a confiança pública, alimenta o ceticismo coletivo e empobrece o debate democrático. A sociedade precisa de jornalistas que duvidem, que investiguem e que resistam à tentação da pressa e do aplauso fácil.
O verdadeiro jornalismo reconhece que a verdade é uma construção paciente, feita de aproximações sucessivas. Ela não se impõe — se conquista. É fruto da escuta, da persistência e da coragem de confrontar o próprio viés.
Publicar o mais próximo da verdade possível não é ingenuidade — é a essência do ofício. É o antídoto contra o veneno da manipulação e a salvaguarda da confiança pública. O jornalista que abandona essa busca abdica da própria razão de existir.
Em última instância, este texto busca apenas reafirmar a necessidade de um jornalismo com espinha dorsal — ético, responsável e comprometido com a verdade possível, capaz de resistir à tentação do espetáculo e de preservar, acima de tudo, a dignidade da dúvida.
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