PENSAMENTO PLURAL A verdade como estratégia, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena observa como a transparência é o alicerce da confiança pública. Investigações envolvendo agentes políticos não devem ser condicionadas a calendários eleitorais, conveniências partidárias ou alegações de perseguição. O nepotismo, as nomeações eleitoreiras e as alianças com pseudolíderes comunitários corroem a ética e enfraquecem a democracia. “A responsabilidade pública exige prestação de contas permanente e serenidade diante dos fatos. A verdade, ainda que desconfortável, é sempre a melhor estratégia”, acrescenta. Confira íntegra…

Transparência e responsabilidade pública diante de investigações

A verdade não é um instrumento de conveniência, mas um princípio que sustenta a confiança nas instituições. Quando um inquérito é instaurado para apurar suspeitas envolvendo agentes públicos, o dever institucional é reagir com serenidade, respeito à legalidade e compromisso com a transparência. Evitar os fatos por meio de retórica ou de versões improvisadas apenas enfraquece a credibilidade de quem ocupa funções de liderança.

A abertura de uma investigação é parte natural do funcionamento do Estado de Direito. Não define culpa, mas demonstra que as instituições estão atentas e operantes. Por isso, é essencial que quem exerce mandato público — e seus assessores — trate o tema com equilíbrio, sem transformar o espaço de defesa em palanque de disputa política. O foco deve permanecer no que importa: a busca da verdade e o respeito ao devido processo legal.

Com frequência, porém, políticos e gestores recorrem a justificativas previsíveis: a proximidade das eleições, a alegação de perseguição judicial, as intrigas de adversários, crises pessoais ou até supostas vantagens em pesquisas eleitorais. Esses argumentos tentam relativizar a ação da Justiça ou adiar o enfrentamento dos fatos, como se houvesse um momento “conveniente” para investigar. Mas a integridade das instituições depende justamente de sua independência em relação ao calendário político. Não existe tempo certo para investigar ou julgar quem exerce mandato público. A lei deve valer em todas as circunstâncias.

A comunicação responsável em momentos de crise deve reconhecer a realidade com sobriedade e transparência. Quando o discurso político tenta se sobrepor à dimensão jurídica, a mensagem transmitida é de fragilidade — não de força. Enfrentar a verdade, mesmo que desconfortável, é o caminho mais sensato: preserva a boa-fé pública, respeita a inteligência da sociedade e reforça o princípio da responsabilidade pública, base da confiança entre governantes e governados.

O tema torna-se ainda mais sensível diante da crescente influência do crime organizado em comunidades e setores da economia formal. Essa capilaridade afeta o ambiente político e, em alguns casos, interfere diretamente no processo eleitoral. Há relatos de coerção de eleitores e de restrições a campanhas em determinadas áreas, o que exige respostas institucionais firmes e vigilância contínua. A integridade do voto começa onde a democracia é mais vulnerável: nas comunidades locais, que são o primeiro degrau da representação política.

O problema, contudo, não se limita à interferência criminosa. O uso abusivo de nomeações com base em afinidades pessoais, laços familiares ou acordos eleitorais contribui para uma indesejável aproximação entre pseudolíderes comunitários e estruturas partidárias. O que deveria ser uma ponte legítima entre o poder público e as comunidades transforma-se, muitas vezes, em um sistema de dependência e favorecimento. Essa lógica distorce o princípio republicano e enfraquece a accountability — a obrigação de prestar contas — que é essencial para a confiança social e para a transparência administrativa.

Quando cargos públicos se tornam moeda de troca em campanhas ou instrumento de fidelização política, perde-se o sentido de mérito e serviço público. Em vez de fortalecer a representatividade, esse mecanismo perpetua círculos fechados de poder e desestimula a participação cidadã autêntica. O resultado é um ambiente em que o discurso de inclusão social serve de fachada para práticas de cooptação e manipulação eleitoral.

A transparência continua sendo o antídoto mais eficaz contra a erosão da confiança pública. Reafirmar o valor do contraditório, da fiscalização e da prestação de contas não enfraquece quem governa — fortalece. Em tempos de polarização e descrença, a responsabilidade pública é o que separa a liderança democrática do populismo reativo. A verdade, ainda que incômoda, permanece como a mais sólida das estratégias.

 

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