
Em sua crônica, o escritor Palmarí de Lucena avalia como retomada democrata no Congresso dos EUA sinaliza o fim do ciclo trumpista e impõe ao Brasil um cenário mais técnico e exigente. E ainda: “A direita brasileira perde seu espelho ideológico, enquanto cresce a pressão por compromissos ambientais e diplomacia pragmática”. A política externa precisará de equilíbrio e autonomia. O futuro político brasileiro dependerá menos da retórica e mais da serenidade e coerência nas propostas. Confira íntegra…
As eleições legislativas nos Estados Unidos, com a possibilidade concreta de o Partido Democrata retomar o controle do Congresso, não representam apenas uma troca de forças em Washington. Elas simbolizam uma inflexão de alcance global, com reflexos diretos sobre o Brasil e, em especial, sobre uma direita que buscou em Donald Trump e no Partido Republicano um espelho ideológico e uma forma de legitimação política.
O resultado americano indica que o populismo perdeu fôlego e que a moderação voltou a ser vista como virtude. De costa a costa, o eleitor demonstrou cansaço com o improviso de governo e com o uso da retórica da força como método.
Na Virgínia, a ex-agente da CIA Abigail Spanberger venceu defendendo estabilidade econômica e pragmatismo. Em Nova Jérsia, Mikie Sherrill derrotou o republicano Jack Ciattarelli — apoiado por Trump — ao focar no custo de vida e na saúde pública. Em Nova York, o socialista Zohran Mamdani superou Andrew Cuomo, que tentava um retorno político sustentado, ironicamente, pelo ex-presidente. Na Califórnia, Gavin Newsom aprovou uma reforma distrital que amplia a presença democrata no Congresso e o projeta nacionalmente.
Essas vitórias, ainda que diversas em perfil, apontam para um mesmo fenômeno: a erosão da influência trumpista e o início de uma reconstrução institucional nos Estados Unidos. É nesse ponto que surgem as consequências para o Brasil.
Parte da direita brasileira moldou-se à imagem de Trump — no confronto com a imprensa, na desconfiança das instituições e na aversão ao multilateralismo. Essa simbiose funcionou enquanto o trumpismo parecia dominante. Se os democratas redefinirem as prioridades da política externa americana, o Brasil enfrentará um cenário mais técnico, menos ideológico e certamente mais rigoroso.
Os democratas tendem a rejeitar tarifas ou sanções baseadas em critérios políticos, mas serão mais vigilantes sobre o uso das forças armadas dos Estados Unidos no exterior e mais inflexíveis quanto ao enquadramento ambiental de produtos brasileiros. O agronegócio e a mineração — pilares das exportações nacionais — sentirão essa mudança por meio de exigências de rastreabilidade, redução de emissões e certificações ambientais.
Esse novo ambiente exigirá do Brasil uma diplomacia mais técnica e prudente. Será necessário conciliar interesses comerciais com compromissos sustentáveis, evitando discursos de confronto e preservando a credibilidade internacional. A política externa deve servir ao interesse nacional, e não a afinidades partidárias que mudam conforme o vento em Washington.
Com a maioria democrata, temas como meio ambiente, direitos humanos e regulação digital devem ganhar força. O Congresso americano tende a pressionar por maior transparência e responsabilidade global — condições que obrigarão o Brasil a adotar políticas de adaptação, sob pena de isolamento econômico e diplomático.
As consequências, porém, não são apenas econômicas. O impacto simbólico é profundo. A derrota republicana enfraquece a narrativa de que o alinhamento com Trump representava prestígio internacional. Parlamentares brasileiros que viam nos republicanos um trampolim para 2026 perceberão que esse apoio perdeu valor.
Ao mesmo tempo, a esquerda ganha espaço para argumentar que a dependência dessa aliança trouxe constrangimentos diplomáticos e comerciais. O centro político, se agir com sensatez, poderá ocupar o vácuo, resgatando o discurso da moderação e do diálogo.
O Brasil precisa diversificar suas parcerias e retomar o pragmatismo que historicamente guiou sua diplomacia. A dependência simbólica de um eixo partidário norte-americano é um risco que o país não pode sustentar. A política externa deve ser conduzida com base em resultados concretos, e não em afinidades ideológicas importadas.
Enquanto os Estados Unidos parecem reencontrar o caminho do equilíbrio, o Brasil ainda busca superar suas polarizações internas. A direita brasileira, se quiser permanecer relevante, terá de compreender que o tempo da retórica bélica se esgotou. O futuro político será decidido não pelos gritos de guerra, mas pela serenidade das propostas e pela capacidade de adaptação ao novo cenário internacional.
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