PENSAMENTO PLURAL Enquanto o povo espera, por Palmarí de Lucena

Em seu comentário, o escritor Palmarí de Lucena trata o voto é o último espelho que resta. Que o eleitor, em 2026, não se deixe guiar por sobrenomes, slogans ou sorrisos ensaiados, mas pelos feitos reais e pela trajetória ética de cada candidato. “Que a reeleição automática — essa herança de comodismo e conveniência — dê lugar à avaliação consciente, baseada em resultados concretos, conduta pública e respeito ao interesse coletivo, e não em promessas recicladas ou alianças de conveniência”, pontua. Confira íntegra...

Há um silêncio incômodo pairando sobre a Paraíba — não o silêncio do descanso, mas o da omissão. Enquanto prefeitos, senadores e futuros candidatos ensaiam composições de chapa para 2026, o povo aguarda respostas para problemas antigos, que já não cabem nos discursos de ocasião. A política estadual parece ter se transformado num jogo de sobrevivência, em que o tempo é medido por calendários eleitorais, não por cronogramas de obras ou metas sociais.

As alianças se movimentam como peças de um tabuleiro gasto. Cícero Lucena reaproxima-se dos Cunha Lima, Efraim Filho acena à direita, e Pedro Cunha Lima tenta equilibrar-se entre o pragmatismo e o cansaço das velhas narrativas. A pauta é uma só — 2026. Nada além. Nenhum debate profundo sobre pobreza, violência ou saneamento básico. Nenhum gesto de urgência diante dos 417 mil analfabetos que ainda vivem à margem da cidadania.

Os acordos políticos se multiplicam, as alianças se costuram, e as promessas giram em torno de cargos e futuras senadorias — mas o Estado permanece imóvel, como se tivesse esquecido de andar. Quatro mulheres são violentadas por dia, e a indignação coletiva, antes viva, parece ter adormecido. A transposição do São Francisco, outrora símbolo de esperança, secou em promessas não cumpridas. O esgoto ainda serpenteia pelas ruas de Santa Rita, Bayeux e Conde, misturando-se à paisagem natural que resiste à negligência. No semiárido, a terra racha sob o sol, enquanto o poder público, ausente, não cria sequer um órgão capaz de reagir ao avanço silencioso da desertificação.

A política paraibana tornou-se uma grande “aldeia Potemkin”: por fora, fachadas reluzentes, discursos ensaiados, inaugurações solenes; por dentro, escolas inacabadas, creches abandonadas e hospitais sem verba. Os palanques funcionam como cenários cuidadosamente pintados para esconder a precariedade de um Estado que sobrevive de promessas. O verniz eleitoral encobre a ferrugem da realidade, enquanto o povo — espectador dessa encenação — espera que o cenário, enfim, vire país de verdade.

E, quando o debate parece surgir, o tom é de arena medieval. Ataques pessoais tomaram o lugar das ideias. Uns acusam os outros de corrupção, falsidade ou adultério. O moralismo seletivo tenta ofuscar o fato de que muitos dos acusadores também carregam nas próprias famílias — sustentadas por nepotismo eleitoral — exemplos de desvio ético. A política se reduziu a um espelho sujo: todos veem o outro com desconfiança, mas ninguém se reconhece no reflexo.

A Paraíba figura entre os três estados com maior índice de violência política no país — e, ainda assim, o tema é tratado como nota de rodapé. O debate público foi sequestrado pela obsessão eleitoral. Não se fala de educação, de saúde, de desigualdade. Fala-se de quem será vice, de quem “tem fôlego”, de quem pode vencer.

 

A imprensa, é verdade, também alimenta esse teatro. Mas quem rege o baile é a própria política, convertida num jogo de espelhos que reflete apenas a si mesma. As redes sociais tomaram o lugar das praças, e os parlamentos perderam o sentido de espaço para o diálogo. Em vez de cobrança, há cálculo; em vez de planejamento, improviso; em vez de compromisso, marketing.

O povo, esse mesmo povo que ainda acredita nas urnas e no amanhã, observa de longe — cansado de esperar. E é dessa espera que nascem os desertos: de escolas sem alunos, hospitais sem médicos, rios sem água e cidades sem esperança. O deserto político é sempre mais árido que o natural.

O voto é o último espelho que resta. Que o eleitor, em 2026, não se deixe guiar por sobrenomes, slogans ou sorrisos ensaiados, mas pelos feitos reais e pela trajetória ética de cada candidato. Que a reeleição automática — essa herança de comodismo e conveniência — dê lugar à avaliação consciente, baseada em resultados concretos, conduta pública e respeito ao interesse coletivo, e não em promessas recicladas ou alianças de ocasião.

É tempo de questionar a perpetuação de gerações políticas que vivem vidas privilegiadas, blindadas da realidade que dizem representar, sustentadas por núcleos familiares que se revezam no poder sem jamais prestar contas ao povo.
Se o eleitor olhar de frente esse espelho e recusar a ilusão da aldeia Potemkin, talvez o Estado volte a existir de verdade — não como fachada, mas como casa do povo que o sustenta e ainda acredita.

 

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