PENSAMENTO PLURAL O Parlamento dos Berros, por Palmarí de Lucena

A crônica denuncia a ascensão de parlamentares despreparados que transformam o exercício do mandato em espetáculo de agressividade. O texto do escritor Palmarí de Lucena critica a substituição do debate por bravatas, da técnica por improviso e da fiscalização por intimidação ao Executivo e ao Judiciário. Mostra como a truculência contamina comissões, fragiliza leis e desgasta instituições. Defende que democracia exige limites, estudo e civilidade, não gritos. E alerta: quando “dureza” vira método, o país paga com instabilidade e descrédito. Confira íntegra...

O que se vê hoje, com preocupante frequência, é um Parlamento ocupado por personagens que confundem mandato com licença para desordem. Parlamentares mal preparados, muitos deles egressos de profissões em que a truculência se traveste de virtude, chegam à política trazendo consigo a crença equivocada de que autoridade se exerce pelo tom de voz e não pela força das ideias. Instalam-se em comissões estratégicas e lideranças partidárias sem conhecer, em profundidade, a engrenagem do Estado que passaram a comandar — e então o improviso vira método, o grito vira argumento e a intimidação, estilo.

O problema não está na origem profissional de ninguém, mas na incapacidade de reconhecer que o Parlamento não é extensão de quartel, balcão de delegacia nem palanque de revanche pessoal. Democracia é o território da palavra, não da pancada. É o espaço onde se constrangem ideias, não pessoas; onde se vencem debates, não adversários. Quando esse princípio elementar se perde, o mandato deixa de ser instrumento de representação e vira arma de vaidade.

Não há como esperar maturidade institucional de quem despreza o conhecimento. Comissões sem técnica, relatorias sem preparo e lideranças sem vocação cívica produzem leis frágeis, crises artificiais e um ambiente político intoxicado. O país paga caro pelas bravatas: na instabilidade econômica, na judicialização da política, no esvaziamento do debate sério. Ganha-se manchete, perde-se rumo.

Some-se a isso o gosto perigoso pela promessa de “dureza” contra o Executivo e o Judiciário, como se a República fosse um ringue e não um sistema de equilíbrio. Fiscalizar é dever constitucional; intimidar é desvio de função. Criticar políticas públicas é saudável; deslegitimar instituições é sabotagem travestida de patriotismo. A separação entre os Poderes não existe para inflar egos, mas para conter abusos — inclusive os cometidos sob a capa da moral.

A democracia adoece menos por falta de discurso e mais por excesso de ignorância vestida de convicção. O Brasil não carece de xerifes no plenário, mas de legisladores com noção de limite, estudo e humildade republicana. Não precisa de heróis de microfone, mas de servidores públicos conscientes de que o poder é empréstimo, não patrimônio.

Enquanto a política continuar premiando o destempero e punindo a ponderação, seguiremos produzindo líderes de ocasião e desperdiçando estadistas possíveis. O futuro não se constrói com bravatas nem com punhos cerrados — constrói-se com regras respeitadas, instituições preservadas e gente preparada. Fora disso, o que se apresenta como “firmeza” não passa de imprudência. E imprudência, quando se senta à mesa do poder, vira ameaça nacional.

 

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