PENSAMENTO PLURAL Se indignar, ainda vale a pena?, por Durval Leal Filho

Em seu texto, o cineasta Durval Leal Filho lembra como o ato de indignar-se é expressão de resistência contra injustiças. E faz algumas indagações sensíveis: “Existe tráfico de influência no STF?” Ou ainda “Ministros do STF estão prevaricando e zombando dos cidadãos?” O cineasta diz ter a esperança de não ser preso ao “fazer uma pergunta técnica sobre possível tráfico de influência envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF), escritórios de advocacia ligados a familiares de ministros e institutos parceiros”. E pontua: “Não é a pergunta que destrói a honra; é o abuso de poder que destrói a República.” Confira íntegra…

Existe tráfico de influência no STF?

Espero não ser preso por fazer uma pergunta técnica sobre possível tráfico de influência envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF), escritórios de advocacia ligados a familiares de ministros e institutos parceiros.

Ministros do STF estão prevaricando e zombando dos cidadãos?

A pergunta não é um ataque pessoal. É uma exigência de clareza institucional.

Se há fatos divulgados pela imprensa e elementos públicos que indicam proximidade imprópria entre julgadores e interesses privados, a sociedade tem o direito, e o dever, de perguntar.

Precisamos esclarecer, diante da sociedade, a relação de um ministro do STF com o presidente do Banco Central quando surgem notícias sobre contatos, pedidos de informação ou intercessões relacionadas a instituições financeiras.

A pergunta central é direta: houve atuação a favor ou contra um banco no qual a esposa do ministro atua como advogada e mantém um contrato de R$ 3 milhões por mês? Se existe vínculo profissional remunerado, em valor dessa ordem, com uma instituição sob interesse ou escrutínio, o mínimo exigido é transparência e afastamento de qualquer zona cinzenta.

Explique-se, então, o conflito de interesses: por que um ministro do STF buscaria informações junto ao presidente do Banco Central sobre um banco acusado de vender “títulos podres” e sonegar impostos do Estado, sem ser de maneira formal?

Qual é o interesse público objetivamente demonstrável nessa iniciativa, quando o próprio arranjo institucional do país exige distância entre o julgador e os interesses privados que gravitam ao redor do sistema financeiro?

Qual é o interesse de um ministro em indagar a um banco sobre práticas ilícitas, ou em se aproximar de agentes que, pela natureza dos fatos narrados, deveriam estar sob escrutínio, e não sob tutela informal?

E há mais perguntas, igualmente incômodas.

Se foi sobre sanções da Lei Magnitsky por que não foi de forma oficial?

Qual o interesse de outro ministro em viajar de jatinho com o advogado de um banco, ou com o advogado de um diretor de banco que está sendo preso, quando o processo está sob sua relatoria?

Segundo um ministro, o noticiário e a imprensa gostam de fazer notícias de Ministros que frequentam seminários bancados por grandes empresas com questões multimilionárias na corte. Não é gostar, é evidenciar um ato escandaloso de senhores da corte viajarem e se refestelarem com mimos de jurisdicionados.

Não se trata de “perseguição” ao Judiciário, trata-se de exigir o padrão que o próprio Judiciário cobra dos demais: lisura, transparência, impessoalidade e responsabilidade.

Que explicação institucional sustenta esse tipo de conveniência, se o Judiciário depende, para existir como autoridade moral, da aparência e da prática da imparcialidade?

Há interesse explícito, convergência de conivências, ou apenas um ambiente em que o dever de reserva se dissolveu a ponto de normalizar o que deveria ser, no mínimo, evitado?

Se faço perguntas técnicas, com base em fatos divulgados pela imprensa e em registros públicos que circulam abertamente, serei preso ou questionado juridicamente por isso? Essa dúvida, por si, já descreve um país em que a cidadania se encolhe diante do poder.

Porque, se a pergunta vira risco, então o debate público vira ameaça; e, se o debate público vira ameaça, a democracia vira fachada.

Como população, não posso mais pedir o impeachment de um ministro? Posso apenas fazer perguntas, desde que não desagradem? A que ponto chegamos, com uma justiça questionável e fragilizada por seus próprios membros? Não se trata de retórica vazia: trata-se do esgotamento da confiança.

Um país não quebra apenas por inflação ou por crise fiscal; um país quebra quando a crença no sistema de justiça se converte em medo, cinismo e resignação.

Basta observar as análises do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o modo como, tantas vezes, “não muda nada” e “não penaliza”. A punição recorrente, quando ocorre, se limita à aposentadoria compulsória, com vencimentos intactos, como se a sanção fosse um prêmio. E é precisamente essa lógica, de punição que preserva vantagens, que destrói a pedagogia institucional. A sociedade vê, aprende e conclui: há castas. E, se há castas, não há igualdade republicana.

Chego, então, ao núcleo do problema: GOLPE DE LESA-PÁTRIA, PODER OU CORRUPÇÃO INSTITUCIONAL?

Qual a diferença entre golpistas que tentam tomar o poder pela ruptura e aqueles que corroem a Constituição por dentro, vendendo a institucionalidade a interesses privados, em especial a banqueiros, operadores do mercado e investidores de seminários e, mancomunados com escritórios familiares?

Qual é o pior crime contra a pátria: o golpe armado ou a quebra da instituição moral que o STF deveria representar? E, nesse cenário, quem é o criminoso e o bandoleiro: a vítima, o julgador ou o réu?

Quem é o mais bandido, quando o sistema parece se inverter a ponto de a cidadania ser tratada como suspeita e o poder ser tratado como intocável?

Parece uma tragédia grega: desatino completo, tragédia sem parâmetro. O Brasil se acostumou com a catástrofe anunciada, como se fosse destino histórico e não consequência de escolhas.

Mas essa “metáfora colonial”, essa repetição de desordem e tutela, já não parece algo distante, parece um instante presente, reiterado. Não é uma tese de livro é uma sensação cotidiana de que a regra sempre se dobra para cima e se endurece para baixo.

Quando se afirma que um ministro do STF intervém junto ao Banco Central para salvar um banco corrupto, o que está em disputa não é apenas um fato isolado, é a integridade do pacto republicano. O ministro que se apresenta como salvador da República não pode, simultaneamente, operar como máscara de ganância.

Não se trata da “clava forte” da justiça, mas da moralidade mínima do exercício do cargo. O que significa a toga, se ela não for um limite? Qual o tamanho de um homem quando se o coloca na berlinda da transparência?

Se há uma rede de interesses entrecortados, ela revela um STF não como guardião da Constituição, mas como possível partícipe de um esquema que corrói a democracia.

Um ministro relator de caso sensível viaja com advogados de réus sob sua análise? Intercede no Banco Central por um banco ligado à sua família? Isso não pode ser tratado como mera coincidência; isso se apresenta como retrato de um Judiciário que, em vez de julgar com distanciamento, negocia proximidades nos bastidores.

O CNJ, criado para fiscalizar, assiste impassível enquanto a punição se converte em acomodação: aposentadorias elevadas após escândalos, como se o custo da crise fosse transferido integralmente à população. A população, refém de uma justiça seletiva, é silenciada: pedir impeachment vira tabu; questionar fatos públicos vira ameaça; e o debate público, que deveria ser o centro da cidadania, passa a ser tratado como afronta.

Diante disso, volto ao essencial, com método e com a mesma indignação: Prerrogativas do cidadão: perguntas críticas sem incriminação.

Como cidadão, que prerrogativas eu tenho para questionar cortes e instituições do país sem me colocar como culpado, sem me incriminar, sem ser tratado como criminoso por exercer controle social?

Quais direitos eu tenho de não ser preso por manifestar perguntas críticas?

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, garante a liberdade de expressão (inciso IV: “é livre a manifestação do pensamento”), o direito de petição (inciso XXXIV: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”) e a liberdade de manifestação, inclusive em dimensões culturais e comunicacionais (inciso IX).

Posso, e devo, perguntar sobre conflitos de interesse públicos, baseando-me em reportagens, processos judiciais e dados oficiais, sem incorrer automaticamente em crime de calúnia ou difamação. O debate público não pode ser criminalizado por existir; ele deve ser qualificado por evidências e responsabilidade.

Não é a pergunta que destrói a honra; é o abuso de poder que destrói a República. E é por isso que a cidadania precisa de linguagem crítica, precisa de cobrança e precisa de transparência.

A jurisprudência do próprio STF é frequentemente invocada para proteger o debate público sobre autoridades, desde que não se trate de mero desejo de ofender, dissociado de qualquer base fática.

Como cidadão de João Pessoa, Paraíba, exerço o direito de fiscalizar o poder, ecoando o artigo 1º da Constituição: TODO PODER EMANA DO POVO. É falso!?

Perguntar sobre tráfico de influência não me torna culpado; calar-me, sim, alimenta a impunidade e a naturalização do privilégio. A essência da democracia é simples: o povo questiona; as instituições respondem com transparência; e a crítica, mesmo indignada, é parte do pacto civilizatório.

Não há prisão para perguntas técnicas; o que não pode haver é o uso do medo como método de governo institucional.

O STF, como instituição central da República, deve se explicar, não nos calar. Se não houver resposta institucional clara, se tudo for empurrado para a névoa, a catástrofe anunciada deixa de ser metáfora e vira rotina: consome a justiça, consome o Estado e consome a nação inteira.

Por isso, a interrogação permanece, pública, legítima e necessária: haverá transparência, ou continuaremos a assistir à erosão do que deveria ser o núcleo de confiança do país?

SENHOR MINISTRO, SE FOSSEM OUTROS A POLÍCIA FEDERAL INVESTIGARIA?

(* imagem acima do Jornal Grande Bahia)

 

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