Onda de protestos: cientista alerta Governo para ouvir o que as ruas dizem
É um fato: os brasileiros acordaram e foram às ruas. E a onda de protestos que sacode o Brasil chega a João Pessoa nesta quinta (dia 20). Mas, para o cientista política Flávio Lúcio (UFPB), o movimento não tem ainda um foco, e apenas tem se ancorado na mobilização contra aumento de passagens. Para ele, o foco deveria ser aplicar o dinheiro do Pré-sal na educação. 100%.
Mas, em seu comentário, que o Blog está publicando, Flávio Lúcio alerta para o “cansaço” que os brasileiros começam a experimentar em relação a um modelo administrativo, que tem se revelado lento em adotar as soluções para educação, saúde, mobilidade urbana e combate à corrupção. E avisa: é bom os políticos aguçarem os ouvidos para o que as ruas estão a dizer.
Confira artigo na íntegra: “Os protestos que ocorreram em São Paulo na semana passada contra o aumento de R$ 0,20 no preço das passagens de ônibus e pelo direito ao passe-livre, e que prometem prosseguir durante esta semana, na capital paulista e em outras cidades do país, podem ter várias motivações que não podem ser reduzidas a explicações simplistas.
Tenho escutado e lido muito sobre esses protestos e o que se apreende, dependendo do interlocutor, é a valorização da motivação política, quando se trata de um simpatizante lulo-petista – ou, de outro lado, da superestimação da insatisfação popular contra o governo Dilma, especialmente por conta da inflação – motivação econômica – quando se trata de um opositor, normalmente de classe média. O fato é que as duas alternativas não são excludentes, mas são insatisfatórias para elucidar o que leva jovens às ruas nesse momento para manifestar publicamente suas insatisfações.
Muitos dos que enxergam apenas motivações políticas nesses movimentos esquecem suas próprias origens, seja no sindicalismo ou no movimento estudantil. A vitória de Lula em 2002 deixou órfã a organização de movimentos de protesto com essas características. A CUT e a UNE, a não ser quando se trata da defesa de questões corporativas, abandonaram as ruas como via de defesa e expressão de suas reivindicações históricas.
É esse o vácuo que se identifica quando diz-se que esses movimentos não tem direção. As forças de esquerda de menor expressão, como o PSTU e o PSOL, que participam dessas manifestações, não são suficientemente fortes e organizadas para dar direção a esses movimentos, que são tragados por grupos anarquistas ou neoanarqusitas, ou de movimentos sociais e lideranças refratárias a presença de partidos políticos.
E movimentos massivos como o que se constrói em São Paulo, com capacidade de se irradiar por todo o país, tem sua dinâmica cíclica. Eles começam como manifestação de segmentos e, por suas bandeiras mais amplas, conseguem incorporar e a agregar apoios de parcelas expressivas da sociedade.
E eles não são, por assim dizer, como uma gripe, que nos acomete várias e várias vezes no decorrer da vida, nem sarampo, que só dá uma vez. Por isso, eles parecem ter essa característica cíclica. Eles explodiram em 1968, voltaram a se repetir dez anos depois, na segunda metade da década de 1970, voltaram com força em 1984, na campanha da Diretas já, e, por fim, no Fora Collor, em 1992.
O que havia de comum em todos eles? A direção da esquerda e a presença majoritária da participação estudantil. São os estudantes que, ao mesmo tempo, conferem maior amplitude e apelo às reivindicações e o apoio dos setores médios da sociedade, normalmente desconfiados com manifestações de rua.
Talvez estejamos a vivenciar um desses movimentos cíclicos, que ainda podem crescer muito. O de hoje, em São Paulo, vai levar mais gente do que levou na quinta última; o de João Pessoa, pelo interesse que já desperta, também. Eles crescerão, e o melhor para os prefeitos emparedados é atender agora a ter de recuar sob uma pressão inadministrável.
E recuar, no caso de São Paulo, é fazer a passagem voltar ao preço anterior (R$ 0,20 a menos) e iniciar uma ampla discussão nacional sobre a miséria que é o transporte público no Brasil, mas também sobre o aumento de gastos com a saúde e a educação – eis um bom momento para, por exemplo, forçar o Congresso e os governadores a aprovarem a aplicação de 100% dos royalties do Pré-Sal na educação.
Por outro lado, achar que esses movimentos são organizados pela “oposição” é o mesmo que acreditar que aquela turma que vaiou a presidenta tem disposição, interesse ou mesmo capacidade para liderar quem quer que seja em protestos. A não ser que seja em aeroportos – brasileiros – por conta de atraso nos voos. No máximo eles se dispõem a participar das eternas correntes de e-mails que espalham mentiras (sempre contra Lula) internet adentro.
O que não quer dizer que a oposição à Dilma Rousseff não tente capitalizar com esses movimentos, buscando desgastar a presidenta, como se os protestos fossem contra o seu governo. A grande imprensa busca no momento estabelecer essa conexão, mas ela é artificial.
Ora, como um governo com a aprovação que tem o de Rousseff pode mobilizar e levar tanta gente contra si para a rua? Mas, é preciso prestar atenção no que as ruas estão a gritar. Em política, tapar os ouvidos nessas horas é a pior das atitudes, pois quem sai às ruas são jovens e trabalhadores que já estão ou começam a ficar cansados (ops!).
Quase 11 anos depois do PT conquistar o poder eles esperam por mudanças mais profundas e não aguentam tanta lentidão. Eles querem mais bem estar social. Eles querem uma melhor, muito melhor educação. Eles querem ser bem atendidos nos hospitais e postos de saúde. Eles querem andar na rapidez do metrô e não padecer por horar em ônibus lentos e desconfortáveis, apenas porque os donos das empresas de transporte público desejam continuar lucrando com o desconforto do trabalhador e do estudante pobres.
Eles gritam isso. E é melhor apurar bem os ouvidos para escutá-los.”