A ilusão do bordão “é nóis contra eles”, por Palmarí de Lucena
O escritor Palmari de Lucena, em seu mais recente comentário, abordando o bordão americano do “nóis conta eles”, neste caso simbolizando o discurso entre a chamada “main street”, rua principal das pequenas cidades, contra o “wall street”, que simboliza o capitalismo especulador nos Estados Unidos, e faz também relação com o Brasil, quando opõe os interesses do cidadão aos dos políticos.
Confira a íntegra do artigo “Nóis contra eles…”:
“A narrativa política norte-americano simplifica certames eleitorais como batalhas entre os interesses da rua principal de cidades pequenas, a chamada “Main Street” versus a “Wall Street”, centro do poder econômico. Presidenciáveis usam da bipolaridade para realçar inclinações ideológicas, reivindicando um lugar mais próximo aos anseios do homem comum. Usando o artificio, o bilionário Donald Trump conseguiu apresentar-se ao eleitorado como um populista, demonizando sua oponente como um instrumento de especuladores da Wall Street. A eleição do republicano expôs problemas nunca precificadas pelo mercado ou amplamente debatidos na esfera pública.
Pequenos negócios e instituições da rua principal são o esteio da participação do povo na governabilidade e sustentabilidade econômica do pais. Enfraquecimento ou inviabilização econômica de cidades pequenas, desviando o foco do debate político para abstrações e truísmos sobre temas de alta complexidade como a globalização, imigração e segurança nacional. Relegadas a câmaras de ressonância para bordões e ideias esdrúxulas, a rua principal está perdendo gradualmente sua influência na formulação de mudanças necessárias para melhorias na qualidade de vida e na economia do país.
Ausência do binômio rua principal versus Wall Street motivando a criação do conceito “nóis contra eles”, criatura do oportunismo político brasileiro perigosamente desagregadora com consequências igualmente deletérias ao progresso da Nação. Marginalizado e pobremente representado, o povo brasileiro transformado em expectadores nas decisões sobre a futura participação do Estado Brasileiro, em aspectos relevantes ao bem-estar social e segurança pública. Crescente irrelevância das instituições da sociedade, preocupante ausência de convivência civil entre classes sociais fomentada por interesses partidários, transformando nossa democracia em um sarapatel de instituições imperfeitas, governadas por alquimistas do poder legitimados pelo acesso a recursos do Erário, divisão de espólios políticos e interesses pessoais.”