A impressionante invasão de farmácias, veja no artigo de Palmarí de Lucena
Impressiona a quantidade de farmácias em nossas ruas, de uns tempos pra cá, mesmo com uma legislação (não cumprida), indicando que a distância mínima entre esses estabelecimentos deveria ser de, pelo menos, 500 metros. Mas, o detalhe é que elas estão agora instaladas em série, uma ao lado da outra. Esse é o tema do novo comentário do escritor Palmarí de Lucena.
Confira a íntegra do artigo “A invasão de farmácias”:
“Caminhando pelas ruas de Bogotá notamos que algo familiar estava faltando na bela paisagem urbana. Depois de um momento de reflexão, reconhecemos que estávamos numa cidade sem avenidas e bairros nobres decoradas por argonautas de redes de farmácias a serviço de fundos de investimentos. Pokémon devorando pequenos competidores, acirrando desigualdades entre classes sociais e aumentando a elasticidade dos privilégios desfrutados pela elite. Exuberância da expansão comercial dando vazão a teorias sobre práticas predatórias ou ocultamento de patrimônio de partes interessadas.
Liminares baseadas subjetivamente em argumentos comerciais autorizando o estabelecimento de farmácias, mesmo quando subestimando o propósito da legislação estabelecendo distâncias mínimas de 500 metros entre si. Alegando que a lei compromete o instituto de livre concorrência, defensores da expansão comercial logrando requalificar as artérias principais da cidade em corredores farmacêuticos, interesses nutridos pelo apetite incontrolável de grupos econômicos.
Confirmando a disponibilidade do medicamento, o atendente explicou a redução de preço autorizada pelo fabricante e pela farmácia, chamava-se João, nosso primeiro encontro dez anos atrás. Surpreendeu-nos um mês depois com uma chamada lembrando que era tempo de comprar o remédio, lembretes repetidos ao longo dos anos abruptamente interrompidos devido a sua transferência para outro endereço. Perdemos contato, João desaparecera no dédalo de farmácias mudando a fisionomia da cidade.
Reencontramos João trabalhando em uma nova farmácia. Nos recebeu como se fôssemos velhos amigos, feliz e entusiasmado com seus estudos de enfermagem. Em visita subsequente, soubemos estava internado em um hospital batalhando os efeitos de AIDS. A gravidade da situação evidente na tristeza profunda no ambiente de trabalho. João faleceu semanas depois. Continuamos comprando medicamentos no lugar que ora chamamos de “farmácia do João”, o nome da rede nunca foi importante.”