Ariano e o dia que a Paraíba perdeu o gênio da raça
Ásperos tempos esses. Em menos de uma semana perdemos três das nossas melhores referências literárias, Rubem Alves, João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna, dentre eles talvez o maior de todos. Também o mais contestado, e autor de uma das três melhores obras da literatura brasileira, ao lado de “Brás Cubas”, de Machado de Assis, e “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.
“Pedra do Reino” está no panteão das obras clássicas. É impossível mirar Quaderna de Ariano e não espiar para Quixote de Cervantes. Os dois são substância de uma mesma matéria, que é a singular capacidade de comover com as palavras, como apenas os raros conseguem. É apenas para poucos o engenho de fabricar sonhos com a mais nobre das manifestações artísticas, a literatura.
Ariano costumava afirmar que vivia “extraviado” em seu tempo, “por acreditar em valores que a maioria das pessoas julga ultrapassados”. Valores quixotescos como a honra e a beleza. A honra de integrar o seleto grupo do talento, e a capacidade de tecer realidade e ficção com os mesmos fios com que se fia o belo. Por isso, foi um dos maiores. E por isso, a perda se torna ainda maior.
Um transe que nos faz indagar: quando a literatura brasileira será capaz de produzir outro “Pedra do Reino”? Talvez nunca, como a literatura espanhola jamais superou os moinhos de “Dom Quixote”. Este, ironicamente, um romance de tantas incongruências formais, que talvez nem passasse pelo crivo da moderna crítica literária, mas que segue desafiando a capacidade criadora do homem e seus sonhos.
Ariano está para a prosa, como Augusto dos Anjos para a poesia. Ariano e Augusto, cada um ao seu tempo, se foram. Mas, as obras que deixaram certamente são alguns dos testemunhos mais marcantes da nossa inteligência de paraibanos tão distantes do olimpo, mas também tão pertos da virtuose. Eles foram os fortes de que fala Euclides da Cunha e os gênios da raça.