Controle sanitário e protecionismo, por Palmarí de Lucena
Um dos temas mais comentados dos últimos dias tem sido o avanço do coronavírus na China. E esse é foco do escritor Palmarí de Lucena, observando como o noticiário, ainda que preocupante, pode também desencadear uma forma de oportunismo comercial, especialmente de parte dos Estados Unidos. Confira a íntegra de seu comentário “Controles sanitários e protecionismo”:
Paulatinamente o coronavírus continua se expandindo para fora da China, fomentando temores que estamos a borda de uma pandemia, embora que ainda seja prematuro precificar suas consequências globais. Países com sérias deficiências nos sistemas de saúde, tomando medidas emergenciais para conter uma presumida onda de contágio. Muitos acreditando que o surto seja uma consequência da facilidade em que produtos, informações e pessoas circulam ao redor do mundo, sem considerar que o comércio internacional sempre esteve presente na propagação de doenças. A peste bubônica, a maior pandemia registrada na história que começou em 1348, que dizimou um terço da população da Europa, foi trazida da Ásia para o Continente Europeu, por mercadores Genoveses retornando da China com uma grande variedade e quantidade de mercadorias e inadvertidamente, a Yersínia pestes.
Tensões fermentando por séculos, fizeram de pandemias pontos de confronto entre interesses mercantis, favorecendo medidas mais brandas para conter o avanço de doenças e providências sanitárias mais rígidas de governos. Impérios no século XVI, emitiram decretos de quarentena para conter os avanços comerciais da Holanda. Desde então, restrições sanitárias foram estabelecidas como tarifas glorificadas, prática usada infrequentemente nos meados do século XX, fruto de maior cooperação internacional.
Isolacionismo e protecionismo de Donald Trump, renovando temores sobre o uso de controles sanitários como armas em guerras comerciais. A China acusa os americanos de impor medidas sanitários e migratórias draconianas, para frear o crescimento da economia chinesa. Suspeita fundamentada na declaração do Secretário de Comércio dos EUA, afirmando que a pandemia traria “empregos de volta para o País”, postura endossada pelo Presidente ao preconizar que “o surto teria um bom final para nós [EUA]”. Ecos da estratégia usada contra a Holanda no século XVI, ressonando nos cânions do ultranacionalismo tóxico do século XXI.