Juiz diz que Lei dos Precatórios (do governador) tem aspecto circense e promove ingerência indevida no Poder Judiciário
Com a decisão de mandar suspender o pagamento de precatórios com depósitos judiciais, o ministro Roberto Barroso (Supremo Tribunal Federal) praticamente referendou sentença prolatada, nesta quarta (dia 30) pelo juiz Onaldo Queiroga, substituto da desembargadora Maria das Neves do Egito. O Blog teve acesso à sua decisão e publica na íntegra.
Segundo Onaldo, a Lei Complementar nº 131/2015 (dos precatórios) “promove uma ingerência indevida no Poder Judiciário, pois diminui a eficácia de suas decisões, na medida em que, quando um juiz determinar à instituição financeira, em um determinado processo, o levantamento imediato de valores, tal decisão ficará condicionada à existência de valores no Fundo prevista na malsinada lei.”
“Além disso, o Fundo de Reserva, a que faz referência a Lei Complementar n. 131/2015, como já mencionado será “destinado a garantir a restituição ou pagamentos referentes aos depósitos, conforme decisão proferida no processo judicial ou administrativo de referência”… O aspecto circense é que o fundo, que tem figurino de aval, é formado, não por dinheiro público, mas pelos 40% restantes, que não serão utilizados pelo Estado”, acrescenta o magistrado.
E diz mais: “Assim, além de utilizar de dinheiro privado, o Poder Público transforma os contribuintes do suposto empréstimo compulsório numa espécie de fiadores, o que é inconcebível.”
Confira decisão na íntegra…
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Processo nº: 0802862-92.2015.8.15.0000
Classe: MANDADO DE SEGURANÇA (120)
Assuntos: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Liminar]
IMPETRANTE: BANCO DO BRASIL
IMPETRADO: DESEMBARGADORA MARIA DAS GRAÇAS MORAIS GUEDES
Vistos, etc.
BANCO DO BRASIL S/A impetra mandado de segurança contra ato supostamente ilegal perpetrado pela RELATORA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0003320-45.2015.815.0000, Desembargadora Maria das Graças Morais Guedes, mencionando como litisconsorte passivo necessário o ESTADO DA PARAÍBA.
No dia 17 de julho de 2015, o Diário Oficial fez veicular a Lei Complementar 131/2015, de iniciativa conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo, a qual, em síntese, o uso de valores atinentes a depósitos judiciais para pagamento de precatórios, tal como se extrai de sua íntegra, abaixo reproduzida:
Art. 1º Os depósitos judiciais e administrativos, em dinheiro, referentes a processos judiciais e administrativos, tributários e não tributários, existentes na instituição financeira, conveniada ou contratada, na data da publicação desta lei, bem como os respectivos acessórios e os depósitos que vierem a ser feitos, poderão ser transferidos para pagamento de precatórios de qualquer natureza e outras finalidades previstas na presente lei, até a proporção de 60% (sessenta por cento) de seu valor atualizado, exceto os inerentes a processos em que seja parte Município do Estado da Paraíba (Lei nº 10.819/2003).
§ 1º O disposto no caput não se aplica aos depósitos inerentes ao Fundo do Poder Judiciário definido em lei;
§ 2º A parcela dos depósitos, judiciais e administrativos, não repassada, nos termos do caput, será mantida na instituição financeira, conveniada ou contratada, e constituirá Fundo de Reserva, destinado a garantir a restituição ou pagamentos referentes aos depósitos, conforme decisão proferida no processo judicial ou administrativo de referência.
§ 3º O saldo do Fundo de Reserva, bem como da conta especial a que se refere o caput, deverão ter remuneração fixada em convênio ou contrato, que não poderá ser inferior à estabelecida pela legislação federal atinente, pagável mensalmente.
§ 4º Sobre o valor atualizado da parcela transferida à conta vinculada às finalidades previstas no art. 1º, caput, o Poder Executivo repassará, mensalmente, ao Tribunal de Justiça, a diferença entre a renumeração atribuída originalmente aos depósitos judiciais e a fixada em convênio ou contrato firmado entre o Tribunal de Justiça e a instituição financeira, de forma a não causar prejuízo para o Tribunal de Justiça.
§ 5º Mensalmente, para fins de apuração do Fundo de Reserva, na forma prevista no § 2º do art. 1º, deverá ser calculado o valor total do estoque de depósitos judiciais e administrativos, considerando o valor integral destes na data da publicação dessa lei, devidamente atualizado, mais os novos depósitos judiciais e administrativos que ocorrerem após a data da entrada em vigor desta e, ainda, os valores de restituições ou pagamentos de depósitos devendo da apuração do montante total dos depósitos judiciais e administrativos atualizado, ser verificado o seguinte:
I – se o saldo do Fundo de Reserva for inferior a 40% (quarenta por cento) do montante apurado atualizado, caberá ao Tesouro Estadual recompor o Fundo de Reserva, a fim de que volte a perfazer 40% (quarenta por cento) do montante equivalente ao estoque de depósitos judiciais e administrativos, no prazo de até 30 (trinta) dias;
II – se o saldo do Fundo de Reserva for superior a 40% (quarenta por cento) do montante apurado atualizado, deverá a instituição financeira depositária transferir para a conta vinculada a diferença entre o valor já transferido desde o início da vigência dessa lei e o montante equivalente à proporção de 40% (quarenta por cento) apurada;
III – na parte que superar o valor do Fundo de Reserva, conforme previsto no inciso anterior, à exceção dos créditos vinculados para quitação de precatórios, competirá 80% (oitenta por cento) para o Estado da Paraíba e 20% (vinte por cento) para o Tribunal de Justiça (PB), devendo o repasse da parte correspondente ao TJ (PB) ser feito pelo Estado da Paraíba, via suplementação sem vínculo orçamentário, obedecida a recomposição proporcional por cada ente, na forma prevista nos incisos I e II deste artigo.
§ 6º Os recursos provenientes da transferência prevista no caput deverão constar no Orçamento do Estado como Fonte de Recursos específica, que deverá identificar a sua respectiva origem e aplicação, por exercício financeiro.
§ 7º Até 50% (cinquenta por cento) da parcela transferida de que trata o caput deste artigo poderá ser utilizada, por determinação do Poder Executivo do Estado, para constituição de Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (PPP), contrapartidas de convênios federais ou para investimentos na área de infraestrutura do Estado, devendo o Poder Executivo suplementar até o 5º dia útil da data do levantamento dos recursos, o equivalente a 17,86% (dezessete virgula oitenta e seis por cento) do valor que corresponder em favor do Poder Judiciário, na forma de contrapartida para investimento na estrutura administrativo-operacional do Tribunal de Justiça e não vinculado aos orçamentos dos exercícios financeiros subseqüentes.
§ 8º A aplicação do disposto no caput deste artigo fica condicionada à celebração de Termo de Compromisso, a ser firmado entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, com tabela de temporariedade até retomada integral da gestão pelo TJ/PB, cujos termos serão imediatamente disponibilizados para consulta nos respectivos sítios do Governo do Estado e do Poder Judiciário.
§ 9º A transferência prevista no caput deste artigo será automaticamente suspensa sempre que o saldo do Fundo de Reserva for inferior à proporção de 40% (quarenta por cento) do valor integral dos depósitos judiciais e administrativos, devidamente atualizada na forma do art. 1º, § 5º, inciso I, excetuados os inerentes a processos que tenha como parte Município do Estado da Paraíba.
§ 10. Os credores de precatórios de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais, ou sejam portadores de doença grave, nos termos do art. 100, § 2º da Constituição Federal e art. 13 da Resolução 115 do CNJ, receberão seus créditos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente a 30 salários mínimos.
Art. 2º Na hipótese de o saldo do Fundo de Reserva, definido no § 2º do art. 1º, não ser suficiente para honrar a restituição ou o pagamento de depósitos judiciais, conforme decisão judicial, o Tesouro Estadual deverá, mediante determinação do Tribunal de Justiça, por intermédio da autoridade judiciária expedidora da ordem de pagamento, disponibilizar em até 48 (quarenta e oito) horas ao Fundo de Reserva, a quantia necessária para honrar a devolução ou pagamento do depósito judicial, sob pena de sequestro.
Art. 3º A instituição financeira responsável pelos depósitos deverá disponibilizar à Secretária de Estado de Planejamento, Orçamento, Gestão e Finanças e à Diretoria de Economia e Finanças do Tribunal de Justiça, diariamente, extratos com a movimentação dos depósitos judiciais e administrativos, indicando os saques efetuados, novos depósitos e rendimentos, bem como o saldo do Fundo de Reserva e o da conta vinculada de pagamento de precatórios, apontando eventual excesso ou insuficiência.
§ 1º Para o fim de apuração de excesso ou insuficiência do Fundo de Reserva de que trata o § 2º do art. 1º desta lei, haverá sempre obediência à regra de 40% (quarenta por cento) do montante total dos depósitos referidos no caput do art. 1º.
§ 2º A instituição financeira, conveniada ou contratada, deverá manter as contas individualizadas, referentes a cada depósito apontado no caput do art. 1º.
Art. 4º É vedada à Instituição Financeira, conveniada ou contratada, realizar saques do Fundo de Reserva, previsto no § 2º do art. 1º desta lei, para devolução ao depositante ou para conversão em renda do Estado, de importâncias relativas a depósitos efetuados não abrangidos por esta lei.
Art. 5º Fica o Poder Executivo autorizado a abrir crédito adicional especial ao orçamento do Estado no valor inferido no caput do artigo 1º.
Art. 6º O Poder Judiciário administrará o Fundo de Reserva e o Poder Executivo regulamentará esta lei no âmbito das ações que lhe couber, podendo a Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento, Gestão e Finanças, em conjunto com a Procuradoria Geral do Estado, editar normas internas necessárias à sua execução, e o Poder Judiciário regulamentará as suas rotinas internas relativas aos depósitos judiciais.
Art. 7º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.
Após o advento da sobredita legislação, o Estado da Paraíba ajuizou ação de obrigação de fazer contra o Banco do Brasil S/A, instando-lhe a efetivar o teor da LC Estadual 131/2015, requerendo, então, antecipação dos efeitos da tutela, “no sentido de que a parte ré transfira o valor devido (60% do valor valor dos depósitos judiciais e administrativos realizados) na monta de R$ 273.905.678,76 (duzentos e setenta e três milhões, novecentos e cinco mil, seiscentos e setenta e oito reais e setenta e seis centavos) à conta 13144-x, agência 1618-7, Banco do Brasil, fixando o prazo de 24 horas para o seu cumprimento e, em caso de não cumprimento da decisão judicial antecipatória, a imposição de multa diária de R$100.000,00 (cem mil reais).”
O Juízo a quo deferiu a tutela de urgência, por meio de decisão, abaixo reproduzida:
Trata-se de pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo Estado da Paraíba contra o Banco do Brasil S/A com a finalidade de compelir a parte promovida a efetivar a transferência de R$ 273.905.678,76 (duzentos e setenta e três milhões, novecentos e cinco mil, seiscentos e setenta e oito reais e setenta e seis centavos) para a conta nº 13144-X, Agência 1618-7, Banco do Brasil, nos termos da Lei Complementar nº 131/2015 do Estado da Paraíba.
Sobressai dos autos que o Estado da Paraíba, por meio da presente ação judicial, visa o cumprimento da Lei Complementar Estadual nº 131/2015, de 16 de julho de 2015 e publicada no Diário Oficial do Estado em 17 de julho de 2015.
A referida Legislação complementar dispõe sobre a utilização de parcela de depósitos judiciais e administrativos para pagamento de precatórios de qualquer natureza, outras finalidades previstas na Lei e dá outras providências.
Artigo 1º da LC nº 131/2015:
“Art. 1º Os depósitos judiciais e administrativos, em dinheiro, referentes a processos judiciais e administrativos, tributários e não tributários, existentes na instituição financeira, conveniada ou contratada, na data da publicação desta lei, bem como os respectivos acessórios e os depósitos que vierem a ser feitos, poderão ser transferidos para pagamento de precatórios de qualquer natureza e outras finalidades previstas na presente lei, até a proporção de 60% (sessenta por cento) de seu valor atualizado, exceto os inerentes a processos em que seja parte Município do Estado da Paraíba (Lei nº. 10.819/2003)”
Alega ainda o Estado da Paraíba que desde a vigência da Legislação em epígrafe vem adotando todas as exigências legais e administrativas para fins de garantir a transferência dos valores assegurada pela norma legal.
Nos termos do § 8º da LC 131/2015 a transferência prevista no artigo 1º da Lei Complementar fica condicionada à celebração de termo de compromisso, a ser firmado entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, com tabela de temporariedade até retomada integral pela gestão do TJPB, cujos termos serão imediatamente disponibilizados para consulta nos respectivos sítios do Governo do Estado e do Poder Judiciário.
A parte autora comprovou nos autos ter firmado com o Poder Judiciário Estadual o termo de compromisso de que trata o § 8º da Norma em comento.
Os levantamentos efetuados pelo Poder Judiciário Estadual, conforme anexado aos autos, aponta o montante de R$ 273.905.678,76 (duzentos e setenta e três milhões, novecentos e cinco mil, seiscentos e setenta e oito reais e setenta e seis centavos), como sendo o equivalente a 60% dos recursos, nos termos da LC 131/2015.
O Banco do Brasil S/A, através de expediente firmado pelo superintendente e encaminhado ao Senhor Governador do Estado pede prorrogação do prazo até o dia 29/07/2015 para efetivar as transferências (ID n° 15092116031762800000002028872)
Portanto, quase dois meses se passaram da prorrogação requerida e as transferências não foram efetivadas.
Atualmente, considerando a modernização tecnológica e o avanço dos equipamentos de informática que conduzem todos os atos empresariais, principalmente na área bancária, em que pese o volume de recursos e de contas bancárias envolvidas, não se justifica o longo prazo decorrido sem finalização da operação.
A LC 131/2015 ao dispor sobre a utilização de valores relativos a depósitos judiciais e administrativos para pagamento de precatórios e outras finalidades previstas na Lei, se encontra em plena vigência, vez que publicada em 17 de julho de 2015.
Dispõe o artigo 7º da LC 131/2015:
“Art. 7° Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.”
Como já dito, a condicionante do termo de compromisso já se encontra firmada, impondo-se, pois, a exigência de cumprimento da norma legal. A recusa da instituição financeira em proceder a transferência nos moldes previstos no artigo 1º da LC 131/2015 mostra-se desarrazoada e com indícios de ilegalidade, dado o caráter de imperatividade de toda Norma Legal vigente.
No caso dos autos, por se tratar de análise de pedido de provimento judicial antecipado, é de observar apenas a presença dos requisitos previstos no artigo 273 do CPC.
A verossimilhança da alegação se vê, por meio de prova inequívoca, através da própria norma legal que rege a matéria.
Além disso, a recusa da instituição financeira em proceder a transferência dos valores, além de ofensa ao texto legal, pode resultar em danos irreparáveis aos interesses do ente público, ora autor, na medida em que o priva de dispor de recursos previstos em Lei para as finalidades igualmente previstas na norma legal.
A conduta resistente do Banco do Brasil S/A gera situação de insegurança jurídica e impasse financeiro para o Estado que, diante do texto legal, previu o aporte de valores significativos à sua disposição para as finalidades legais.
Desta forma, nos termos do artigo 273 do CPC, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo ESTADO DA PARAÍBA e o faço para determinar ao BANCO DO BRASIL S/A que proceda, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a transferência de R$ 273.905.678,76 (duzentos e setenta e três milhões, novecentos e cinco mil, seiscentos e setenta e oito reais e setenta e seis centavos) para a conta nº 13144-X, Agência 1618-7, Banco do Brasil, nos termos da Lei Complementar nº 131/2015 do Estado da Paraíba.
Em caso de descumprimento, nos termos do artigo 461, § 4º do CPC, fixo multa diária no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sem prejuízo da ordem de prisão em flagrante, em caso de desobediência.
Oficie-se a Superintendência do Banco do Brasil S/A, neste Estado, para o cumprimento integral desta decisão.
Irresignada, a instituição financeira impetrante apresentou, junto a esta Corte, o Agravo de Instrumento n. 0003320-45.2015.815.0000, no intuito, justamente, de paralisar a eficácia da liminar concedida em primeira instância.
A autoridade coatora, porém, cuidou de indeferir o pedido de efeito suspensivo, tendo proferido provimento jurisdicional cuja inteireza se reproduz abaixo:
“Vistos, etc.
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Banco do Brasil S/A contra decisão proferida pelo Juízo da 2ª. Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, proposta pelo Estado da Paraíba, que determinou ao Banco agravante que depositasse o valor de R$ 273.905.678,76 (duzentos e setenta e três milhões, novecentos e cinco mil, seiscentos e setenta e oito reais e setenta e seis centavos) para a conta nº 13144-X, Agência 1618-7, do Banco do Brasil em favor do agravo.
Alega em suas razões, que a referida Lei Complementar Estadual, apesar de vigente, está sendo questionada no âmbito do Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade, por ofender, segundo sua ótica, diversos dispositivos da Carga Magna Federal. Sustenta, ainda, a incompetência da Justiça Estadual para tratar da matéria, considerando a necessidade de o Banco Central do Brasil compor a lide no polo passivo da demanda, o que deslocaria a competência para a Justiça Comum Federal.
Por fim, argumenta que o que o art. 1º da LC estadual n. 131/2015 foi revogado pelo art. 3º da LC nacional n. 151/2015, que passou a disciplinar a matéria de maneira divergente da norma estadual.
Ao final requer que seja concedido efeito suspensivo ao recurso, a fim de sobrestar a decisão exarada pelo Juízo de primeiro grau.
É o relatório.
Decido.
Em se tratando de pedido de concessão de liminar em Agravo de Instrumento, cumpre ressaltar que, em sede de cognição sumária, única cabível no presente estágio do processo, a concessão da providência pleiteada haverá de satisfazer, simultaneamente, os pressupostos legais atinentes à relevância das alegações deduzidas e à existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 527, III, c/c art. 558, caput, do CPC).
In casu, a recorrente pretende a concessão da medida para que seja sustada a decisão da 2ª. Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, que determinou ao agravo o depósito, em conta corrente do Estado da Paraíba, de valores confiados à sua custódia a título de depósitos judiciais.
Observa-se dos autos que o magistrado a quo determinou o cumprimento da norma prevista na legislação de regência após serem ultimados todos os atos necessários para seu implemento.
De fato, mostra-se acertada a decisão a quo, não merecendo guarida o pleito liminar, pelas razões a seguir expostas:
Da competência da Justiça Estadual
Apesar das considerações esboçadas pelo agravante, da necessidade de trazer a lide, no polo passivo, o BACEN – Banco Central do Brasil, esta denota-se incompatível com o presente procedimento.
A Política Monetária Nacional, ditada pelo BACEN, no que afeta aos depósitos bancários, não dizem respeito ao modo e forma que os referidos numerários possa ser usados pelos seus titulares, ou por quem a lei invista da responsabilidade de administrá-los.
Deste modo, não é verdadeira a premissa que o uso dos referidos depósitos causará riscos sistêmicos para a economia.
Outrossim, observo dos autos termo contratual entre o Estado da Paraíba e o Banco do Brasil tendo como interveniente o Tribunal de Justiça da Paraíba, obriga a instituição financeira, ora agravante, a cumprir os termos da Lei Complementar Estadual n. 131/2015, sem que para isso fosse necessária a intervenção do Banco Central do Brasil, demonstrando, deste modo, sua prescindibilidade em ser parte nesta demanda.
Destarte, afasto a incompetência da Justiça Estadual para conhecer do presente feito.
Da Inconstitucionalidade da Lei
Conforme já delineado pelo próprio agravante, há no foro competente, uma ADI ajuizada questionando os dispositivos da LC estadual em comento, contudo, não há nenhum pronunciamento da Suprema Corte acerca da suspensão liminar da eficácia da referida norma, estando ela hígida e plenamente vigente.
Assim, a invocação de eventuais vícios de inconstitucionalidade, neste juízo de cognição, não passa de mero exercício de retórica, que não possui o condão de demonstrar a plausibilidade do direito invocado, principalmente quando o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se pronunciar acerca da matéria, e não o fez.
Da Revogação da LC Estadual n. 131/2015 pela LC n. 151/2015
No que tange a tese de revogação da Lei Complementar Estadual n. 131/2015 pela Lei Complementar n. 151/2015, esta também não se sustenta, considerando que não há nenhum pronunciamento, seja legislativo ou mesmo judicial, de incompatibilidade material ou forma entre os referidos regramentos.
Na verdade, denota-se uma recalcitrância do banco agravante em não cumprir a legislação estadual e o próprio termo contratual por ele firmado, que possui como base o regramento legal que, neste ato, tenta impegir a pecha de ilegal e inconstitucional, revelando-se, no mínimo, contraditório, fazendo uso daquilo que doutrina classifica como venire contra pactum proprium.
Isto posto, ausentes os requisitos necessários ao deferimento da medida, INDEFIRO a liminar pleiteada.
Comunique-se ao Juiz da causa (CPC, art. 527, III).
Após o término do plantão, encaminhem-se os autos ao Relator.
Neste writ, em síntese, a instituição financeira propugna as mesmas teses lançadas no agravo de instrumento, dentre as quais se sobreleva as seguintes: a) em preliminar, a suspeição do Presidente desta Corte; b) “DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL: INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO E DO BACEN”; c) “DA REVOGAÇÃO DO ART. 1º DA LC 131/2015 PELO ART. 3º DA LC 151/2015: Aplicação do art. 2º, §1º, do Decreto-Lei 4657/1942”; d) “DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA LC 131/2015”.
Em sede de liminar, pleiteada com base no art. 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/09, o impetrante pugna pelo imediato sobrestamento da eficácia do ato vergastado.
É o relatório.
DECIDO.
De início, rendo-me ao cabimento do presente writ.
A jurisprudência uníssona do STJ afirma que, não sendo cabível a interposição de recurso contra a decisão do relator que, em agravo de instrumento, defere, total ou parcialmente, a pretensão recursal (art. 527, III e parágrafo único, do CPC), admite-se contra tal ato judicial a impetração de mandado de segurança, como se exemplifica com os seguintes precedentes:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO LIMINAR PROFERIDA PELO RELATOR. IRRECORRIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. ‘A decisão do relator que defere ou indefere o pedido de efeito suspensivo, no âmbito de agravo de instrumento, mercê da impossibilidade de sua revisão mediante a interposição de agravo previsto em regimento interno, porquanto sujeita apenas a pedido de reconsideração (parágrafo único do art. 527, do CPC), desafia a impetração de mandado de segurança, afastando, outrossim, a incidência da Súmula 267⁄STF’ (RMS 25.949⁄BA, Rel. Min. LUIZFUX, Primeira Turma, DJe 23⁄3⁄10). 2. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AREsp 95.401⁄PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21⁄6⁄2012, DJe de 2⁄8⁄2012)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IRRECORRIBILIDADE. ART. 527, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. INAPLICABILIDADE DO ART. 39 DA LEI N. 8.038⁄1990. 1. Em atenção aos Princípios da Celeridade e da Razoável Duração do Processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal) a Lei n. 11.187⁄2005, modificando a sistemática do agravo de instrumento, introduziu no art. 527 do CPC alteração que vedou a interposição de recurso de decisão que conceder efeito suspensivo ou deferir, emantecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal. 2. Incabível agravo interno de decisão liminar de relator no âmbito do agravo de instrumento. Decisão irrecorrível, somente passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator reconsiderá-la (art. 527, parágrafo único, do CPC) ou por meio de mandado de segurança. 3. Precedentes: RMS 25.949⁄BA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 4.3.2010, DJe 23.3.2010; RMS 28.515⁄PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 2.4.2009, DJe 20.4.2009; RMS 30.608⁄RN, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 2.3.2010, DJe 10.3.2010. 4. Inaplicável ao caso interpretação analógica do art. 39 da Lei n. 8.038⁄90, ante a vedação expressa do art. 527, parágrafo único, do CPC. Agravo regimental provido.” (AgRg no REsp 1.215.895⁄MT, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15⁄3⁄2011, DJe de23⁄3⁄2011)
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO EM FACE DE DECISÃO LIMINAR QUE, EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, CONCEDEU A ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO (ART. 527, III, DO CPC). IRRECORRIBILIDADE (ART. 527, PARÁGRAFO ÚNICO). MANDADO DE SEGURANÇA CABÍVEL, DESDE QUE SE TRATE DE DECISÃO TERATOLÓGICA, MANIFESTAMENTE ILEGAL OU PROFERIDA COM ABUSO DE PODER, O QUE NÃO É O CASO DOS AUTOS. 1. A decisão objeto do presente mandamus foi proferida na forma do art. 527, III, do CPC, que autoriza o relator a atribuir efeito suspensivo ou a antecipar a tutela recursal, em sede de agravo de instrumento, sendo que a decisão liminar, nessa hipótese, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, ressalvada a possibilidade do próprio relator a reconsiderar (parágrafo único). Assim, em se tratando de decisão irrecorrível, é cabível o ajuizamento do mandado de segurança, desde que se trate de decisão teratológica, manifestamente ilegal ou proferida com abuso de poder. 2. No caso concreto, verifica-se que a decisão atacada (fls. 155⁄164), que concedeu efeito suspensivo em sede de agravo de instrumento, não é teratológica nem manifestamente ilegal nem foi proferida com abuso de poder. Isso porque a decisão contém fundamentação adequada para demonstrar a inviabilidade da penhora online no caso dos autos, amparando-se na interpretação do art. 11 da Lei 6.830⁄80 e dos arts. 620 e 655-A do CPC. Cumpre registrar que a decisão foi proferida em juízo de cognição sumária, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto, de modo que eventual divergência entre a fundamentação adotada e a jurisprudência deste Tribunal, por si só, não configura violação de direito líquido e certo. 3. Recurso ordinário não provido.” (RMS 32.787⁄SE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21⁄6⁄2011, DJe de 29⁄6⁄2011)
Cabível a medida, passa-se à análise meritória.
Como já se pronunciou o STJ, “o deferimento de tutela liminar pressupõe o adimplemento conjunto de dois requisitos, a saber: a probabilidade de êxito na demanda após cognição exauriente e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação a quem, ao fim, sagre-se titular do direito. Isto na forma do que dispõe o art. 7º, inc. III, da Lei nº 12.016/09.” (AgRg no MS 17.469/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 28/09/2011, DJe 04/10/2011).
Em sede de mandado de segurança, impetrado contra ato judicial, advindo de análise de tutela recursal em agravo de instrumento, cinge-me analisar eventuais abusividades e teratologias nos argumentos expendidos no ato coator.
Por questão didática, passo a enfrentar isoladamente os tópicos.
I – DA SUSPEIÇÃO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA
A suspeição do Excelentíssimo Desembargador-Presidente é matéria que escapa à análise nesta seara, porquanto tal desiderato deveria ser buscado pela exceção própria, prevista no Código de Processo Civil, não em garantia constitucional.
II – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Sobre essa temática, assim pontuou o ato coator:
Apesar das considerações esboçadas pelo agravante, da necessidade de trazer a lide, no polo passivo, o BACEN – Banco Central do Brasil, esta denota-se incompatível com o presente procedimento.
A Política Monetária Nacional, ditada pelo BACEN, no que afeta aos depósitos bancários, não dizem respeito ao modo e forma que os referidos numerários possa ser usados pelos seus titulares, ou por quem a lei invista da responsabilidade de administrá-los.
Deste modo, não é verdadeira a premissa que o uso dos referidos depósitos causará riscos sistêmicos para a economia.
Outrossim, observo dos autos termo contratual entre o Estado da Paraíba e o Banco do Brasil tendo como interveniente o Tribunal de Justiça da Paraíba, obriga a instituição financeira, ora agravante, a cumprir os termos da Lei Complementar Estadual n. 131/2015, sem que para isso fosse necessária a intervenção do Banco Central do Brasil, demonstrando, deste modo, sua prescindibilidade em ser parte nesta demanda.
Destarte, afasto a incompetência da Justiça Estadual para conhecer do presente feito.
Não estou a antever ilegalidade na decisão vergastada quanto a este aspecto, tendo em vista que, na hipótese, os depósitos, a que a Lei Complementar Estadual 131/2015 faz referência, são os estaduais, não atingindo a esfera jurídica de ente federal.
Se isso não fosse suficiente, tratando-se de discussão cível, a competência da Justiça Federal é dada ratione personae, nos termos do art. 109, I, CF:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
Sobre o tema, cito precedente do STJ:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 224/STJ. EXCLUSÃO DO ENTE FEDERAL DA LIDE. SÚMULA 150/STJ. 1. A competência federal prevista no art. 109, I, da CF, tem como pressuposto a efetiva presença, no processo, de um dos entes federais ali discriminados. 2. Afastado o interesse de autarquia federal, nele permanecendo apenas concessionária de energia elétrica, a competência passa a ser da Justiça Estadual. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no CC 119.898/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 08/03/2012)
Compondo o polo passivo apenas o Banco do Brasil, sem qualquer ente federal ao seu lado, a competência é da Justiça Estadual, tal como, inclusive, já decidiu esta Corte:
PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA. AÇÃO VISANDO À COBRANÇA DE VERBAS DO FUNDEB. COMPETÊNCIA CÍVEL DA JUSTIÇA FEDERAL QUE É RATIO PERSONAE. INEXISTÊNCIA DE INTERVENÇÃO DE QUAISQUER DOS ENTES DO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REJEIÇÃO. 1. “A competência cível da Justiça Federal encontra-se definida, como regra geral, com base na natureza das partes envolvidas no processo (ratione personae), independentemente da índole da controvérsia exposta em juízo, por força das disposições do art. 109, I, da Constituição Federal.” (AgRg no CC 120.783/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/05/2012, DJe 30/ 05/2012). 2. Inexistindo qualquer ente federal nos autos, a competência para o julgamento do feito é da Justiça Estadual. 3. Preliminar rejeitada. […] 3. Apelação Cível e Reexame Necessário providos. VISTOS, relatados e discutidos estes autos. ACORDA a Segunda Câmara Especializada Cível do Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba, à unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar provimento ao apelo e à remessa necessária. (TJPB, APeRO nº 0007040-48.2012.815.0251, Relª. Desª Maria das Neves do Egito D Ferreira, 2ª Câmara Cível, DJe 05/11/2014)
Assim, ultrapasso tal tese.
III – DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA
Depreende-se do ato coator, quanto a este capítulo, em suma, que a análise da inconstitucionalidade estaria sem agasalho, porquanto, embora tramitando ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, este ainda não se pronunciou.
Reproduzo a parte que interessa:
Conforme já delineado pelo próprio agravante, há no foro competente, uma ADI ajuizada questionando os dispositivos da LC estadual em comento, contudo, não há nenhum pronunciamento da Suprema Corte acerca da suspensão liminar da eficácia da referida norma, estando ela hígida e plenamente vigente.
Assim, a invocação de eventuais vícios de inconstitucionalidade, neste juízo de cognição, não passa de mero exercício de retórica, que não possui o condão de demonstrar a plausibilidade do direito invocado, principalmente quando o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se pronunciar acerca da matéria, e não o fez.
Estou persuadido de que a teratologia, a ensejar o mandado de segurança, reside, precisamente, nessa argumentação.
Ora, é por todos sabido que o controle de constitucionalidade brasileiro é misto, híbrido, por ter adotado o sistema norte-americano e austríaco, tal como expõe a cátedra do Ministro Gilmar Mendes (O Controle da Constitucionalidade no Brasil:
O controle de constitucionalidade no Brasil pode ser caracterizado pela originalidade e diversidade de instrumentos processuais destinados à fiscalização da constitucionalidade dos atos do poder público e à proteção dos direitos fundamentais. Essa diversidade de ações constitucionais próprias do modelo difuso é ainda complementada por uma variedade de instrumentos voltados ao exercício do controle abstrato de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, como a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
Segundo o controle difuso, concreto, qualquer juiz, diante de um caso concreto, tem o poder de declarar a norma inconstitucional. Neste caso, a questão da constitucionalidade não constitui o pedido, mas a causa de pedir.
Por sua vez, no caso do controle concentrado, em que a constitucionalidade consubstancia o pedido, a análise da compatibilidade do texto normativo impugnado frente à Constituição fica a cargo de um órgão único, no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal ou os Tribunais de Justiça, a depender do parâmetro de confronto, se a Constituição Federal (no primeiro caso) ou a Constituição Estadual (no segundo caso).
Em breve síntese, assim explica o Professor Pedro Lenza:
O sistema difuso de controle significa a possibilidade de qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência, realizar o controle de constitucionalidade.
Por seu turno, no sistema concentrado, como o nome já diz, o controle se “concentra” em um ou mais de um (porém em número limitado) órgão. Trata-se de competência originária do referido órgão.
Sob outra perspectiva, do ponto de vista formal, o sistema poderá ser pela via incidental ou pela via principal.
No sistema de controle pela via incidental (também chamado pela via de exceção ou defesa), o controle será exercido como questão prejudicial e premissa lógica do pedido principal.
Nesse ponto, é conveniente fazer uma crítica ao uso da terminologia “pela via de exceção ou defesa”, na medida em que será possível que a via incidental (análise de questão prejudicial) se dê, também, como fundamento da pretensão do autor, o que se vê nas ações constitucionais, a exemplo do mandado de segurança.
Já no sistema de controle pela via principal (abstrata ou pela via de “ação”), a análise da constitucionalidade da lei será o objeto principal, autônomo e exclusivo da causa.
Mesclando as duas classificações, verifica-se que, regra geral, o sistema difuso é exercido pela via incidental, destacando-se, aqui, a experiência norte-americana, que, inclusive, influenciou o surgimento do controle difuso no Brasil. Por sua vez, o sistema concentrado é exercido pela via principal, como decorre da experiência austríaca e se verifica no sistema brasileiro. (página 305).
Saliento, e isso deve ficar bastante claro, que os dois sistemas – difuso e concentrado – podem, e devem, conviver concomitantemente, daí porque, em tramitando ações de controle concentrado de constitucionalidade, a suspensão dos processos individuais constitui exceção à regra, como deixa claro a regra do art. 20 da Lei 9.868/99, in verbis:
Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.
Interessante ressaltar, inclusive, que há possibilidade de simultaneidade de ações diretas de inconstitucionalidade, propostas no âmbito do STF e do TJ, devendo-se suspender a demanda que tramita na seara estadual.
Nesse sentido, elucidativas são as palavras do Ministro GILMAR MENDES:
Observe-se, outrossim, que o Tribunal tem entendido que, em caso de propositura de ADI perante o STF e perante o TJ contra uma dada lei estadual, com base em direito constitucional federal de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, há de se suspender o processo no âmbito da Justiça Estadual até a deliberação definitiva da Suprema Corte.
É o que resulta da orientação manifestada na medida cautelar na ADI-MC 1.423, verbis:
“(…) Rejeição das preliminares de litispendência e de continência, porquanto, quando tramitam paralelamente duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma no Tribunal de Justiça local e outia no Supremo Tribunal Federal, contra a mesma lei estadual impugnada em face de princípios constitucionais estaduais que são reprodução de princípios da Constituição Federal, suspende-se o curso da ação direta proposta petante o Tribunal estadual até o julgamento final da ação direta proposta petante o Supremo Tribunal Federal, conforme sustentou o relator da presente ação direta de inconstitucionalidade em voto que proferiu, em pedido de vista, na Reclamação 425” (ADI-MC 1.423/SP, Rei. Moteira Alves, DJ de 22-11-1996).
Da aludida Reclamação (AgRg-Rcl.) 425/RJ, Rei. Néri da Silveira (DJ de 22-10-1993), examine-se parte da ementa que trata da possibilidade de suspensão do processo:
“(…) Em se tratando, no caso, de lei estadual, esta poderá, também, ser, simultaneamente, impugnada no STF, em ação direta de inconstitucionalidade, com base no art. 102,1, letra ‘a’, da Lei Magna federal. Se isso ocorrer, dar-se-á a suspensão do processo de representação no Tribunal de Justiça, até a decisão final do STF (…)” (g. n.).
Portanto, o Supremo Tribunal Federal acabou por consagrar uma causa especial de suspensão do processo no âmbito da Justiça local, nos casos de tramitação paralela de ações diretas perante o Tribunal de Justiça e perante a própria Corte relativamente ao mesmo objeto, e com fundamento em norma constitucional de reprodução obrigatória por parte do Estado-membro. (Gilmar Ferrreia Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 4ª Edição, 2009, p. 1365/1366)
A propósito, cito precedente da lavra do Min. CELSO DE MELLO:
AJUIZAMENTO DE AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE TANTO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (CF, ART. 102, I, “A”) QUANTO PERANTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL (CF, ART. 125, § 2º). PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA NOS QUAIS SE IMPUGNA O MESMO DIPLOMA NORMATIVO EMANADO DE ESTADO-MEMBRO OU DO DISTRITO FEDERAL, NÃO OBSTANTE CONTESTADO, PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM FACE DE PRINCÍPIOS INSCRITOS NA CARTA POLÍTICA LOCAL IMPREGNADOS DE PREDOMINANTE COEFICIENTE DE FEDERALIDADE (RTJ 147/404 – RTJ 152/371-373). OCORRÊNCIA DE “SIMULTANEUS PROCESSUS”. HIPÓTESE DE SUSPENSÃO PREJUDICIAL DO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO INSTAURADO PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. NECESSIDADE DE SE AGUARDAR, EM TAL CASO, A CONCLUSÃO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA. DOUTRINA. PRECEDENTES (STF). (ADI 3482, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 08/03/2006, publicado em DJ 17/03/2006 PP-00043)
Sobre o tema, cito precedente do Supremo Tribunal Federal:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – TAXA DE EXPEDIENTE DO ESTADO DE MINAS GERAIS – DPVAT – INCIDÊNCIA DA REFERIDA TAXA DE EXPEDIENTE SOBRE AS SOCIEDADES SEGURADORAS – ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE ATIVA DAS ENTIDADES SINDICAIS QUE FIZERAM INSTAURAR O PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA – INOCORRÊNCIA – PERTINÊNCIA TEMÁTICA CONFIGURADA – ALEGADA UTILIZAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS E CONCRETOS – NÃO-CARACTERIZAÇÃO – RECONHECIMENTO, PELO RELATOR DA CAUSA, DE QUE SE REVESTE DE DENSIDADE JURÍDICA A PRETENSÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DEDUZIDA PELOS LITISCONSORTES ATIVOS – INOBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE, DA RELAÇÃO DE RAZOÁVEL EQUIVALÊNCIA QUE NECESSARIAMENTE DEVE HAVER ENTRE O VALOR DA TAXA E O CUSTO DO SERVIÇO PRESTADO OU POSTO À DISPOSIÇÃO DO CONTRIBUINTE – OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA NÃO- -CONFISCATORIEDADE (CF, ART. 150, IV) E DA PROPORCIONALIDADE (CF, ART. 5º, LIV) – ENTENDIMENTO DO RELATOR DE QUE, NÃO OBSTANTE CONFIGURADO O REQUISITO PERTINENTE À PLAUSIBILIDADE JURÍDICA, NÃO SE REVELA PRESENTE, NO CASO, O PRESSUPOSTO DO “PERICULUM IN MORA” – DECISÃO DO PLENÁRIO, NO ENTANTO, QUE RECONHECEU CONFIGURADA, NA ESPÉCIE, A SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DO “PERICULUM IN MORA”, O QUE O LEVOU A NÃO REFERENDAR, POR TAL RAZÃO, A DECISÃO DO RELATOR – CONSEQÜENTE DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. INADEQUAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS E CONCRETOS: SITUAÇÃO INOCORRENTE NA ESPÉCIE. CONSEQÜENTE IDONEIDADE JURÍDICA DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO. – O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3º). A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE. – O ordenamento constitucional brasileiro, ao definir o estatuto dos contribuintes, instituiu, em favor dos sujeitos passivos que sofrem a ação fiscal dos entes estatais, expressiva garantia de ordem jurídica que limita, de modo significativo, o poder de tributar de que o Estado se acha investido. Dentre as garantias constitucionais que protegem o contribuinte, destaca-se, em face de seu caráter eminente, aquela que proíbe a utilização do tributo – de qualquer tributo – com efeito confiscatório (CF, art. 150, IV). – A Constituição da República, ao consagrar o postulado da não-confiscatoriedade, vedou qualquer medida, que, adotada pelo Estado, possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, em função da insuportabilidade da carga tributária, o exercício a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, p. ex.). – Conceito de tributação confiscatória: jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e o magistério da doutrina. A questão da insuportabilidade da carga tributária. TAXA: CORRESPONDÊNCIA ENTRE O VALOR EXIGIDO E O CUSTO DA ATIVIDADE ESTATAL. – A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. – Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República. Jurisprudência. Doutrina. TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. – O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. – A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. (ADI 2551 MC-QO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2003, DJ 20-04-2006 PP-00005 EMENT VOL-02229-01 PP-00025)
Fiz esse introito doutrinário e jurisprudencial para assentar que é claudicante o argumento utilizado no provimento hostilizado, quando afirma que a discussão quanto à inconstitucionalidade não poderia ser efetivada, porquanto o STF manteve-se silente nas ADI’s que lá tramitam sobre o tema.
É direito subjetivo do jurisdicionado ver seus argumentos considerados na seara administrativa e jurisdicional.
O Ministro Gilmar Mendes, do STF, ao proferir seu voto no Mandado de Segurança n. 24.268/MG1, arrimando-se na doutrina constitucional alemã, fez algumas considerações sobre a plenitude de defesa, sustentando que esse direito não se traduz apenas em uma simples manifestação no processo (judicial ou administrativo), mas evidencia uma garantia a uma tutela jurídica, como enfatizou Pontes de Miranda. Eis o que ele consignou no corpo do acórdão referido:
Tenho enfatizado, relativamente ao direito de defesa, que a Constituição de 1988 (art. 5º, LV) ampliou o direito de defesa, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Como já escrevi em outra oportunidade, as dúvidas porventura existentes na doutrina e na jurisprudência sobre a dimensão do direito de defesa foram afastadas de plano, sendo inequívoco que essa garantia contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos.
Assinale-se, por outro lado, que há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de Miranda – é uma pretensão à tutela jurídica (Comentários à Constituição de 1967/69, tomo V, p. 234).
(…)
Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o chamado “Anspruch auf rechtliches Gehör” (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar (Cf. Decisão da Corte Constitucional alemã – BVerfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver, também, Pieeroth e Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis, Ulrich, Gusy, Christoph, Einführung in das Staatsrecht, 3ª. edição, Heidelberg, 1991, p. 363-364).
Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:
1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo sobre os elementos dele constantes;
2) direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo;
3) direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (Cf. Pieroth e Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis e Gusy, Einführung in das Staatsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, nº 85-99).
Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beatchtenspflicht), pode-se afirmar que envolve não o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwägungsplicht) (Cf. Dürig/Assmann, in: Maunz-Dürig, Grundgesetz-Kommentar, Art. 103, vol. IV, nº 97).
Verifica-se, portanto, que o direito à defesa não se resume a uma simples intervenção no processo. A ampla defesa e contraditório, com amparo no magistério doutrinário do Ministro Gilmar Mendes, traduzem a certeza de que ao administrado serão garantidos os seguintes direitos: a) tomar conhecimento de fatos que interfiram em sua esfera jurídica; b) contraditá-los; c) ver seus argumentos considerados pelo Poder Público.
Quando a relatora não analisa a questão da inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 151/2015, sob o argumento, simplório, de que não houve posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto ao tema, estou persuadido de que houve violação a direito fundamental da parte, porque, como já dito, era obrigação sua, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, analisar, ainda que de forma perfunctória, a compatibilidade do texto normativo com a Constituição Federal e Estadual, já que – ressalte-se – não havia determinação do Pretório Excelso de suspensão dos processos individuais.
Há mais a dizer acerca do controle de constitucionalidade.
De forma unívoca e harmônica, a doutrina tem dito que, para viabilizar-se o controle de constitucionalidade, dois pressupostos devem estar presentes: a edição de uma Constituição rígida, em que a alteração de suas normas demanda processo legislativo mais dificultoso do que aquele estampado para a edição das leis ordinárias; a instituição, pela Carta da República, de um órgão encarregado de aferir o confronto da lei com a Constituição.
Por todos, cito Dirley da Cunha Júnior:
Como sentencia a doutrina, o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos reclama os seguintes pressupostos: a) existência de uma Constituição formal; b) a compressão da Constituição como norma jurídica fundamental e a c) instituição de, pelo menos, um órgão com competência para o exercício dessa atividade de controle. (Curso de Direito Constitucional, Ed. Juspodivm, 4ª Edição, p. 264).
Nessa perspectiva, sendo a Constituição brasileira da espécie rígida, e estando ela no ápice da pirâmide normativa, todos os preceitos inferiores – todos eles! – devem-lhe obediência, observância, reverência, compatibilidade, como deixa claro ensinamento do professor CANOTILHO:
“Todos os actos normativos devem estar em conformidade com a Constituição (art. 3º/3). Significa isso que os actos legislativos e restantes actos normativos devem estar subordinados, formal, procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 1998. p. 811/812).
Cotejando o teor da Lei Complementar Estadual nº 151/2015 com a Constituição Federal, a priori, vislumbro um descompasso entre eles.
Como já posto no relatório, a Lei Complementar 131/2015, autorizou que o Executivo fizesse uso de valores atinentes a depósitos judiciais para pagamento de precatórios, tal como se extrai de sua íntegra, abaixo reproduzida:
Art. 1º Os depósitos judiciais e administrativos, em dinheiro, referentes a processos judiciais e administrativos, tributários e não tributários, existentes na instituição financeira, conveniada ou contratada, na data da publicação desta lei, bem como os respectivos acessórios e os depósitos que vierem a ser feitos, poderão ser transferidos para pagamento de precatórios de qualquer natureza e outras finalidades previstas na presente lei, até a proporção de 60% (sessenta por cento) de seu valor atualizado, exceto os inerentes a processos em que seja parte Município do Estado da Paraíba (Lei nº 10.819/2003).
Os demais artigos da lei, em síntese, tratam do chamado Fundo de Reserva, constituído pelos 40% (quarenta por cento) dos valores que não foram utilizados, tal como se extrai do §2º do art. 1º:
§ 2º A parcela dos depósitos, judiciais e administrativos, não repassada, nos termos do caput, será mantida na instituição financeira, conveniada ou contratada, e constituirá Fundo de Reserva, destinado a garantir a restituição ou pagamentos referentes aos depósitos, conforme decisão proferida no processo judicial ou administrativo de referência.
Segundo a doutrina, os recursos do Estado podem ser de dois tipos: originárias e derivadas, a depender do regime jurídico a que se submetem.
O Estado existe para a consecução do bem comum. Para atingir tal mister, precisa obter recursos financeiros, o que faz, basicamente, de duas formas, que dão origem a uma famosa classificação dada pelos financistas às receitas públicas.
Para obter receitas originárias, o Estado se despe das tradicionais vantagens que o regime jurídico de direito público lhe proporciona e, de maneira semelhante a um particular, obtém receitas patrimoniais ou empresariais. A título de exemplo, cite-se um contrato de aluguel em que o locatário é um particular e o locador é o Estado. O particular somente se obriga a pagar o aluguel porque manifesta sua vontade ao assinar o contrato, não havendo manifestação de qualquer parcela do poder de império estatal.
Na obtenção de receitas derivadas, o Estado, agindo como tal, utiliza-se das suas prerrogativas de direito público, edita uma lei obrigando o particular que pratique determinados atos ou se ponha em certas situações a entregar valores aos cofres públicos, independentemente de sua vontade. Como exemplo, aquele que auferiu rendimento será devedor do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (imposto de renda) independentemente de qualquer manifestação volitiva.
Registre-se, por oportuno, que tanto nas receitas originárias quanto nas derivadas existem hipóteses em que o sujeito passivo (devedor) também é ente estatal, sendo a nota distintiva entre as espécies de receita ora estudadas o regime jurídico a que estão essencialmente submetidas (direito público ou privado) e não os polos da respectiva relação jurídica. (Ricardo Alexandre, Direito Tributário Esquematizado, Ed. Método, 8ª Edição, Livro Digital).
Sob essa perspectiva hermenêutica, considerando que os depósitos judiciais não pertencem ao Estado, mas sim aos particulares, litigantes e jurisdicionados, não sendo, tampouco, status de receitas empresariais ou patrimoniais, podemos concluir que o Poder Público, sob a égide de direito público, insta, obriga coercitivamente o particular a praticar “determinados atos ou se ponha em certas situações a entregar valores aos cofres públicos, independentemente de sua vontade”.
Deflui-se, inegavelmente, que estamos a tratar de seara tributária.
Consoante magistério doutrinário, com a Constituição de 1988, adotou-se a teoria pentapartite das espécies tributárias, tendo o mencionado autor Ricardo Alexandre consignado expressamente que, “ao se deparar com o tema, o Supremo Tribunal Federal tem adotado a teoria da pentapartição”.
Assim, os tributos brasileiros são os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais.
Nesse sentido, cito precedente do STF:
“Os tributos, nas suas diversas espécies, compõem o Sistema Constitucional Tributário brasileiro, que a Constituição inscreve nos seus arts. 145 a 162. Tributo, sabemos todos, encontra definição no art. 3º do CTN (CTN), definição que se resume, em termos jurídicos, no constituir ele uma obrigação que a lei impõe às pessoas, de entrega de uma certa importância em dinheiro ao Estado. As obrigações são voluntárias ou legais. As primeiras decorrem da vontade das partes, assim, do contrato; as legais resultam da lei, por isso são denominadas obrigações ex lege e podem ser encontradas tanto no direito público quanto no direito privado. A obrigação tributária, obrigação ex lege, a mais importante do direito público, ‘nasce de um fato qualquer da vida concreta, que antes havia sido qualificado pela lei como apto a determinar o seu nascimento.’ (Geraldo Ataliba, Hermenêutica e Sistema Constitucional Tributário, in Diritto e pratica tributaria, volume L, Padova, Cedam, 1979). As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são a) os impostos (CF, art. 145, I, arts. 153, 154, 155 e 156), b) as taxas (CF, art. 145, II), c) as contribuições, que são c.l) de melhoria (CF, art. 145, III), c.2) sociais (CF, art. 149), que, por sua vez, podem ser c.2.1) de seguridade social (CF, art. 195, CF, 195, § 4º) e c.2.2) salário educação (CF, art. 212, § 5º) e c.3) especiais: c.3.1.) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2) de interesse de categorias profissionais ou econômicas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária, d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148).” (ADI 447, Rel. Min. Octavio Gallotti, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.)
Cumpre registrar que, não havendo qualquer contraprestação estatal, estamos a nos debruçar sobre tributo não vinculado, isto é, que não goza de referibilidade.
Na realidade, entendo que, às avessas, sem qualquer fundamento constitucional, o Estado da Paraíba tentou criar um empréstimo compulsório, porque, a forceps, arrebatou dinheiro dos jurisdicionados para, com ele, pagar débitos seus. N’outras palavras, num vernáculo que não comporte ambiguidade, o Estado da Paraíba instituiu um “mútuo forçado”, numa manobra político-fiscal, que mais se assemelha a um “salto mortal” hermenêutico na Constituição Federal.
Sobre a figurino constitucional do empréstimo compulsório, valho-me, mais uma vez, do ensinamento do professor RICARDO ALEXADRE:
Os empréstimos compulsórios são empréstimos forçados, coativos, porém restituíveis. A obrigação de pagá-los não nasce de um contrato, de uma manifestação livre das partes, mas sim de determinação legal. Verificada a ocorrência do fato gerador, surge a obrigação de “emprestar” dinheiro ao Estado.
O fato de serem restituíveis levou alguns doutrinadores a sustentar que os empréstimos compulsórios não seriam tributos, vez que os recursos arrecadados não se incorporam definitivamente ao patrimônio estatal. Esse entendimento não merece prosperar, pois a exação se enquadra com perfeição na definição de tributo constante do art. 3.º do CTN, que não contempla nenhum requisito relativo à definitividade do ingresso da receita tributária nos cofres públicos. Também confirma o entendimento o fato de o referido art. 148 da CF/1988, que é o fundamento constitucional para a existência de empréstimos compulsórios no ordenamento jurídico brasileiro, encontrar- distinta, embora não sirva como argumento para descaracterizá-lo como tributo.
Assim, tratando-se de empréstimo ou mútuo forçado, estamos diante de um empréstimo compulsório.
Ocorre, porém, que, para a lástima do Estado da Paraíba, o empréstimo compulsório só pode ser efetivado para atender a duas hipóteses taxativas, tal como expõe o art. 148:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, “b”.
Como se vê, a olho nu, é que a Constituição Federal não outorga competência legislativa, a quaisquer dos entes federativos, para instituir empréstimo compulsório para pagamento de precatórios ou despesas de somenos importância.
Há de se ressaltar que, por esses mesmíssimos argumentos, também se mostra incompatível com a Carta da República a Lei Complementar Federal n. 151/2015, razão pela qual maiores comentários são dispensáveis.
Para não mais me alongar, já que prescindível, diante da absurda pretensão estatal, vislumbro a presença do bom direito.
No que pertine ao perigo da demora, entendo-o presente.
O Código de Processo Civil, no art. 273, §2º, foi taxativo ao estabelecer que não se concederá a antecipação da tutela, quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Da exegese literal do texto normativo, surge a convicção de que o simples perigo da irreversibilidade do provimento de urgência obsta a sua concessão, isso porque a incidência do art. 273 do CPC altera sobremaneira a ordem natural do processo, consubstanciando verdadeira exceção, porquanto outorga, em provimento precário, muitas vezes antes da oitiva da parte adversa, o bem da vida que somente lhe seria entregue quando da sentença.
Por isso mesmo, como bem adverte a doutrina, conceder tutela de urgência com caráter de definitividade, via reflexa, traduz verdadeira condenação sumária, sem a imprescindível observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório.
Eis a doutrina de TEORI ALBINO ZAVASCKI a respeito do assunto:
No particular, o dispositivo observa estritamente o princípio da salvaguarda do núcleo essencial: antecipar irreversivelmente seria antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício esse que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nestes casos, o prosseguimento do próprio processo. (In Antecipação de Tutela. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 97.)
Assim, o Superior Tribunal de Justiça, com propriedade, já decidiu que “toda e qualquer tutela antecipada deve ser passível de reversibilidade, nos termos do art. 273, § 2º, do CPC, porquanto sua validade vincula-se à sorte do pedido principal, a ser resolvido na sentença.” (EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1294707/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 04/10/2011, DJe 13/10/2011.)
In casu, havendo o efetivo cumprimento da tutela antecipada, será quase impossível, para não dizer utópico, restabelecer o status quo ante.
Ora, o país vive uma difícil situação financeira. Uma crise que transfere também para Estados e Municípios essas mesmas dificuldades. Com isso, observa-se que o Estado da Paraíba, nessa mesma linha, ou seja, enfrentando dificuldades, como os demais entes federativos, vai se utilizar de verba de terceiros para quitar débitos seus, criando, na realidade, um círculo vicioso, porquanto, como devedor de precatórios, passará novamente, por meio de empréstimo compulsório, a se tornar devedor de outros credores.
Cria-se uma cadeia que chegará ao infinito. O Estado deve, faz empréstimo, quita o precatório e – surpreenda-se – passar a dever novamente, a terceiros que, em momento algum, aquiesceram sobre a utilização de seus depósitos.
Na realidade, quem está a pagar os precatórios são os litigantes de processos judiciais, que procuraram o Judiciário para solução dos seus litígios e não para servirem de responsáveis solidários por débitos pertencentes – de forma única e exclusiva – ao Estado.
Observa-se, ainda, que a referida lei, na verdade, promove uma ingerência indevida no Poder Judiciário, pois diminui a eficácia de suas decisões, na medida em que, quando um juiz determinar à instituição financeira, em um determinado processo, o levantamento imediato de valores, tal decisão ficará condicionada à existência de valores no Fundo previsto na malsinada lei.
Além disso, o Fundo de Reserva, a que faz referência a Lei Complementar n. 131/2015, como já mencionado será “destinado a garantir a restituição ou pagamentos referentes aos depósitos, conforme decisão proferida no processo judicial ou administrativo de referência”.
O aspecto circense é que o fundo, que tem figurino de aval, é formado, não por dinheiro público, mas pelos 40% restantes, que não serão utilizados pelo Estado. Assim, além de utilizar de dinheiro privado, o Poder Público transforma os contribuintes do suposto empréstimo compulsório numa espécie de fiadores, o que é inconcebível.
À luz de tais considerações, concedo a liminar pleiteada, para, de forma incontinenti, sobrestando a eficácia do ato judicial combatido e, consequentemente, concedendo o efeito suspensivo do agravo de instrumento n. 0003320-45.2015.815.0000, suspender, na íntegra, a eficácia das Leis Complementares Estadual n. 131/2015 e Federal nº 151/2015, autorizando, dessa forma, que a instituição financeira se abstenha de transferir, ao Estado da Paraíba, quaisquer valores decorrentes dos depósitos judicias a que se referem os mencionados textos normativos.
Notifique-se pessoalmente a autoridade impetrada, para que cumpra a liminar e preste informações, nos termos do art. 7º, inciso I, da Lei 12.016/09.
Cite-se o Estado da Paraíba, por Procurador-Geral do Estado, na condição de litisconsorte passivo necessário.
Após, remetam-se os autos ao Procurador-Geral de Justiça.
Intimações necessárias.
Cumpra-se.
João Pessoa/PB, 30 de setembro de 2015.
Juiz Convocado ONALDO ROCHA DE QUEIROGA
Relator